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Diante das mobilizações, coletivos criam frente periférica contra fascistas em SP

Lideranças periféricas se reuniram na última sexta-feira (21) na Cooperifa para debater o atual contexto político e os perigos da massa antipartidária e golpista que protesta rua afora pelo país

Sâmia Gabriela Teixeira (Brasil de Fato)

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out-9

Nova edição do jornal IQRA

De acordo com estudos do escritor e intelectual palestino Edward Said, o estigma que os árabes, sobretudo os muçulmanos carregam é resultado de anos de difusão do olhar do colonizador sobre o povo “inferior” a ser colonizado.

O jornal IQRA é uma publicação da UNI – União Nacional Islâmica, e foi idealizado em conjunto. Maura, minha amiga de caminhada e colega na faculdade, e eu mergulhamos neste mundo obscuro e complexo (para nós ocidentais) que é o Oriente Médio e nos dedicamos a produzir um livro-reportagem sobre refugiados palestinos. Desde então, descobrimos uma série de particularidades e uma riqueza cultural desse povo que faz parte de tantos outros povos igualmente importantes social e historicamente.  IQRA, portanto, nasceu com esta preocupação de não rotular as pessoas e o sistema sob o qual elas vivem dentro dos territórios, e fora também, do Oriente Médio, mas de divulgar, sem qualquer estigma, as questões sobre este tema.

O jornal é distribuído no país inteiro, com tiragem de 20 mil exemplares e também fica disponível em versão online, no site da União Nacional Islâmica.

Confira o conteúdo da nova edição clicando na capa logo abaixo:

Arraial Sustentável

10 ideias para preparar uma festa junina consciente e divertida

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out-1

Esta abaixo, e mais matérias, clique AQUI 

out-12

Morte de MCs repercute na imprensa mundial

Os assassinatos de funkeiros na Baixada Santista e São Paulo chama a atenção da imprensa internacional, embalada pelo sucesso que o funk faz fora do Brasil.

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out-2

Conheça o IMREA

Espaço comprova os benefícios do artesanato no tratamento de pessoas com debilidades físicas e mentais

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out-7

A arte da superação 

ONG Fala Mulher promove inclusão social para mulheres que vivem em situação de risco

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out-6

Polícia reprime manifestantes em protesto contra Kassab 

Uma pessoa ficou ferida em ato unificado que contestava violência na Cracolândia e Pinheirinho

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out-11

 

 

A presença do Orientalismo em comentário de Arnaldo Jabor

Como o discurso ocidental disseminado pela mídia distorce a realidade histórica do Oriente

Por Sâmia Gabriela Teixeira e Maura Silva (originalmente publicado na União Nacional Isâmica)

Já dizia o escritor árabe Edward Said sobre os perigos do orientalismo na construção – ou melhor, desconstrução – da visão sobre a cultura oriental e a história dos árabes e muçulmanos. Não por acaso, o orientalismo surgiu com força na época de maior expansão da dominação da Europa e Ocidente no Oriente, quando no período de 1815 a 1914 o colonialismo direto europeu cresceu cerca de 35% para 85% em todo o mundo, de acordo com estudos de Harry Magdof, publicados em seu livro “Colonialism”, parte da 15ª edição da Enciclopédia Britânica de 1974.

Seguindo o padrão ocidental previsível, o comentarista Arnaldo Jabor, que atualmente tem sua coluna fixa na rádio CBN da Globo, no dia 2 de outubro descreveu o povo árabe como “parasita do Ocidente” e líderes religiosos como “canalhas” que se aproveitam da fé de um povo que “não tem nada a não ser Allah”.

Não é nenhuma surpresa que um canal da grande imprensa utilize tais elementos para falar sobre o Oriente, mas é necessário que outros meios busquem esclarecer as desinformações veiculadas na mídia para que o lugar comum não ganhe status de opinião de “especialista” e que desta maneira deturpe realidade e história de outra cultura.

Logo no início do discurso de Jabor, os primeiros comentários já revelam falta de conhecimento ao dizer, em tom negativo e presunçoso, que os árabes vivem hoje na Idade Média. Fica claro que o comentarista, além de analisar muito superficialmente a atual situação do mundo árabe, ignora o fato de que no período medieval a Europa – dita por ele como tão avançada e civilizada – era formada por diversas cidades cercadas por muralhas e governadas majoritariamente por senhores feudais que se orgulhavam de não saber ler. Neste mesmo período, sobretudo entre os séculos IX e X da era cristã, a civilização muçulmana compartilhava da mais desenvolvida sabedoria filosófica e científica na Espanha, Itália e Sicília, enquanto regiões da Europa, “vítima do parasitismo árabe” nas palavras de Jabor, apenas a partir do século XI firmava suas primeiras tendências científicas, quando bispos passaram a autorizar traduções para o latim de importantes livros de autores… árabes – pasmem!

Somente sob o domínio muçulmano, algumas regiões da Europa tiveram acesso a estudos matemáticos, de astronomia e física, de medicina e filosofia, por exemplo

Durante os séculos XII, XVIII e XIV, o trabalho dos tradutores não cessou,pondo em latim não só a Rhazés, Albucassis, Avicena, Averróes, mas também autores gregos, como Galeno, Hipócrates, Arquimedes e Ptolomeu,que os muçulmanos haviam vertido em sua própria língua (…) O fato é que aIdade Média só conheceu a antiguidade grega depois que esta passou àlíngua dos discípulos do Profeta (…) Sim, deve-se aos árabes o conhecimentoda antiguidade; mas não aos curandeiros da Idade Média, que até o gregoignoravam; e por isso, devemos àqueles uma gratidão eterna por nos teremsalvado tão precioso tesouro. “Apagai os árabes da História – disse Libri – e orenascimento das letras tardará muitos séculos na Europa”.

(KURAIEM Mussa, 1962)

Em relação à religião, dramatizada no comentário de Jabor e julgada de maneira irresponsável e limitada, o Islã mostrou-se uma das crenças mais tolerantes da história, e o comentarista ignora o fato de que se hoje há os fundamentalistas, boa parte – senão total parte – da responsabilidade pela existência de tais grupos é exatamente devida ao apoio político, interesse geopolítico e comercial, e também aos meios de comunicação e discursos propagandistas do Ocidente, que muitas das vezes desenha o fundamentalismo na luta legítima do povo contra a opressão e exploração das grandes potências.

Ainda que tudo isso seja discutido entre sérios profissionais historiadores e cientistas políticos, os estudos de Edward Said sobre o orientalismo ganham a confirmação de que o conhecimento domesticado no Ocidente produziu um discurso científico capaz de “legitimar uma autoridade sobre o Oriente”. Isso porque, afinal de contas, aparenta que tal opinião do comentarista em relação aos radicais árabes é utilizada apenas como gancho para outras ofensas que ele rasga na sequência, sobre, por exemplo, o fanatismo dos que queimaram bandeiras dos “Estados Unidos, Europa etc”. Ora, é por aí também que se explica a falta de fundamento ao afirmar que hoje os árabes são atrasados e “parasitas” do Ocidente. Fato é que hoje o Oriente Médio sofre consequências da influência direta da “civilização” ocidental.

Em 1820, um engenheiro francês chamado Louis Jumel investiu na produção de algodão, obtido no Egito. Segundo o professor e pesquisador Albert Hourani, “dessa época em diante, um volume cada vez maior da terra cultivável do Egito foi destinada à produção de algodão, quase todo para exportação para a Inglaterra. Nos quarenta anos após a iniciativa de Jumel, o valor das exportações de algodão egípcio aumentou de quase nada para 1,5 milhão de libras egípcias em 1861. (A libra egípcia equivalia mais ou menos à libra esterlina)”. E isso é apenas um exemplo…

Obviamente, diante de tal exploração de recursos naturais nos países árabes, essa região não mais conseguiu recuperar um equilíbrio próprio. Segundo o professor de Ciências Políticas Dejalma Cremonese, da Universidade Federal de Santa Maria – RS, os britânicos destruíram o sistema industrial instalado nas regiões da Índia controladas por eles, impondo, a partir do século XVIII, “duras leis tarifárias para impedir que os produtores industrializados indianos competissem com a produção têxtil dos ingleses”. Em seu estudo “Reflexões sobre a democracia e o terrorismo de estado na velha e nova ordem mundial”, Cremonese ressalta que tal modelo do “progresso” que a civilização ocidental buscou instalar no oriente – e o qual Jabor cita com orgulho – é responsável pela morte de “cerca de meio milhão de crianças a cada ano na África, em consequência do serviço da dívida externa, simplesmente em consequência dos juros que seus países precisam pagar”. E o comentarista ainda fala, esperançosamente, numa possível influência “do progresso do lado de cá”? Com tal fala, nos perguntamos: a nossa democracia ocidental atual possui alguma superioridade em relação aos modelos políticos orientais?

O progresso ocidental matou no Iraque mais de 114 mil civis no período de 2003 a 2011, de acordo com dados do projeto Iraq Body Count. Charge do cartunista e ativista Carlos Latuff

Por mais que discursos rasos a respeito do oriente sejam comuns, é sabido por muitos que a democracia é hoje uma ditadura velada. Basta se analisar os índices de encarceramento e homicídios nas ditas sociedades mais democráticas, e compará-los inclusive com as indesejáveis ditaduras de ontem e de hoje. Em outro trecho da tese de Cremonese, ele diz: “Em tudo o que concerne a essa questão (colonização no oriente médio), observam-se claramente os mais importantes princípios da ordem mundial: assuntos mundiais são controlados pela Regra de Força, enquanto se confia nos intelectuais para dissimular a realidade e servir aos interesses do poder”. E fica claro que o controle das “versões oficiais”, sobretudo as veiculadas pela mídia, está nas mãos dos grandes grupos econômicos, seja sobre assuntos mundiais ou aspectos locais, que possam ser preocupantes para a imagem da “justa democracia ocidental”. Contrariando a fala de Jabor, a verdade é que talvez seja mais fácil governar uma sociedade que vive sob uma “democracia”, pois esses “povos livres e democráticos” talvez sejam os reais obedientes do sistema, e um sistema perverso. O povo livre e democrático de hoje carrega no peito lemas como “bandido bom é bandido morto”, “rouba mas faz” e, quando busca manifestar opiniões de “protesto”, transformam ideologias e a subversão em festa, movimentada por jovens de uma classe média pouco ciente do poder que têm na vida política da sociedade, manipulada pelo “kitsch da Grande Marcha”.

Voltando ao oriente, é importante destacar que a democracia e o progresso ocidental matou no Iraque mais de 114 mil civis no período de 2003 a 2011, de acordo com dados do projeto Iraq Body Count, e 8,54% dessas mortes eram de crianças abaixo de 18 anos. Além desse exemplo, o que dizer do governo mais “democrático” do Oriente Médio, Israel, que desde o início de 2012 mantém em suas prisões mais de 250 detentos administrativos – sem julgamento ou acusação formal – e que, dentre esses, 8 são membros do Parlamento, além de ainda manter, sob acusação, outros 23 parlamentares encarcerados? Parece mesmo um modelo político livre e democrático? E será mesmo que os padrões ocidentais consideram publicamente justo manter 210 crianças, muitas abaixo dos 16 anos, encarceradas por serem acusadas de jogar pedras contra tanques? Não, nós não expressamos publicamente repúdio a tais violações, pois a “Regra de Força” fala mais alto no Ocidente, e isso, sinceramente deveria nos causar vergonha. Vergonha sublinhada ao que o jornalista se refere como atraso de milênios e que se traduz nas violações sofridas por anos de colonização do Oriente Médio pela Europa e EUA.

A história recente da Argélia é exemplo do que uma sociedade “avançada e democrática” é capaz de fazer com um país. Invadida pela França no século XIX com o pretexto de construir colônias agrícolas e militares, os franceses minaram a resistência nativa, destruindo a agricultura árabe com  uma violência que não poupou mulheres nem crianças. Segundo artigo de Rosangela Rosa Praxedes, Bacharel em Ciências Sociais pela USP, publicado na Revista Espaço Acadêmico, “o governo de Napoleão III foi marcado por uma forte militarização na Argélia e quebrou o sistema de propriedade tribal nativa, fixando árabes e berberes em minifúndios e aumentando a miséria dos agricultores.” Assim é fácil dirimir que anos de colonização imposta por estrangeiros em nome da superioridade maciça coberta por dogmas sociais, étnicos e culturais, reafirmada ano a ano através da violência, seja passiva de “atraso”.

O mesmo acontece com o Líbano, mesmo após a sua independência – conquistada em 1941, ainda tido como criação da potência colonial francesa. Fato é que a crescente escalada de violência espraiada pelo país, e que em nada contrasta com o seu passado recente de violências e abusos, é fruto de anos de opressão e tirania causada pela ocupação estrangeira. Talvez seja justo refletir acerca do modelo de colonização do Oriente Médio que durante toda a sua história teve a maior parte do seu território ocupado por potências que hoje julgam o seu retardamento, afinal, é bem provável que o “atraso de milênios” seja o reflexo de uma grande “indelicadeza histórica”.

Edward Said é um dos mais importantes intelectuais árabes da história. Seus estudos revelam o conhecimento domesticado do ocidente em relação ao oriente

Ouça o comentário de Jabor no link: http://cbn.globoradio.globo.com/comentaristas/arnaldo-jabor/2012/10/02/COMO-OS-PESSIMISTAS-PREVIAM-OS-MAIS-RADICAIS-CHEGARAM-AO-PODER-NOS-PAISES-ARABES.htm

Favelas em chamas, despejos em massa e empreiteiras a toda

Cada vez mais lenha na máquina da especulação imobiliária

Por Sâmia Gabriela Teixeira

Na última segunda-feira (3) mais uma favela pegou fogo, destruindo cerca de 300 casas na comunidade Sônia Ribeiro – Favela do Piolho, no Campo Belo. Apesar de uma igreja próxima ao local abrigar parte dos moradores, muitos continuam pelas calçadas, tentando resgatar um ou outro pertence por debaixo dos escombros. Mais de mil pessoas ficaram desabrigadas, e somam a tantos outros números de incêndios que criam uma “indústria do fogo” lucrativa para as grandes empreiteiras do país.

Desde o início desse ano diversos grupos avessos às políticas higienistas no centro da cidade protestaram contra as ações truculentas dos policiais na região da Luz, foco de interesse nos planos de revitalização da prefeitura de São Paulo. Manifestantes em defesa dos direitos humanos e membros de organizações de luta por moradia protestaram contra a reintegração de posse violenta ocorrido no Pinheirinho e o descaso do poder público com os moradores da favela do Moinho, que ficou em chamas deixando cerca de 400 famílias desalojadas desde as vésperas do natal de 2011. Muitas, depois de quase 10 meses, ainda vivem embaixo do viaduto, próximo à linha de trem. “Temos cerca de 70 famílias ainda desalojadas, que vivem embaixo do viaduto, onde podem ficar. Dessas, cerca de 30 ainda não receberam auxílio aluguel”, contou Alessandra Moja, presidente da Associação dos Moradores do Moinho, em entrevista durante o Festival Moinho Vivo, evento realizado para arrecadar doações para as famílias sem teto.

Favela do Piolho em chamas. Mais de mil pessoas ficaram desabrigadas (Foto: Reprodução/Globo)

De acordo com a comunicação do Corpo de Bombeiros, no primeiro semestre de 2010 foram atendidas 67 ocorrências de incêndios em favelas. No ano passado, o número no primeiro semestre mais que quadruplicou e chegou a 359 ocorrências. Só nesse ano, já contabilizamos 32 incêndios. Em praticamente todos os casos os locais já faziam parte de programas de urbanização da prefeitura. Muitos desses terrenos foram esvaziados, após os despejos “inevitáveis” para a “segurança” dos moradores “irregulares”.

A chamada “indústria do fogo” forçou a criação, em 2008, de uma Câmara Técnica que agiliza procedimentos de prevenção e combate a incêndios em favelas. O próprio secretário das subprefeituras, Rodrigo Camargo, chegou a dizer publicamente que a evolução dos números de incêndios revela uma anomalia e, devido à falta de investigação de grande parte dos casos, o alto número de ocorrências de despejos, simultaneamente à grande quantidade de favelas tomadas por fogo, tem sido colocado em discussão entre ativistas e líderes comunitários.

“Maria Silvaneide foi para a ocupação numa segunda-feira à noite. Mãe de quatro filhos, cuida das crianças sozinha e oferece o peito à sua filha mais nova, Manoela, de apenas dois meses. Enquanto alimenta seu bebê e faz companhia para as crianças que jogam cartas e brincam próximas a ela, Maria vigia a rua preocupada com a invasão de policiais. “Essa começou a militar cedo” – se referia a sua pequena Manoela. “vai ser guerreira como a vó e a bisavó índia”, dizia, olhando para a filha.” (Foto: Sâmia Gabriela Teixeira)

Urbanização e políticas higienistas
Representantes de movimentos de moradia estranham a rapidez com que construtoras se dispõem, logo após uma ocorrência de incêndio, em terrenos com demanda judicial ou nos locais já definidos pelos programas de urbanização da prefeitura. “Cada vez mais querem menos favelas no centro. Mas, somente no centro, mais de mil imóveis, dentre eles galpões, prédios, estacionamentos, estão desocupados, sem nenhuma função social”, contrapõe Maria das Graça Xavier, coordenadora da União dos Movimentos de Moradia (UMM). Um dos exemplos desta agilidade foi o caso do incêndio que destruiu grande parte da favela do Real Parque, na região do Butantã. A velocidade das construtoras não foi diferente. O contrato do consórcio firmado entre a OAS Construtora e Constran S/A para urbanização da favela foi homologado no dia 17/09/2010, conforme publicação do Diário Oficial, e a data de assinatura do contrato, no valor global de 146.014.307,53, é de 28/09/2010, a apenas quatro dias depois do incêndio. Ainda mais atrás, o histórico de ameaças aos moradores inicia logo em 2007, com uma reintegração de posse autorizada por Kassab que enviou a Força Tática da Polícia Militar para desocupar a favela. O despejo não foi total por resistência dos moradores, e o caso foi denunciado pelo advogado Danilo Chammas, da Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos.

À época, o grupo Favela Atitude produziu um vídeo que denuncia a ação violenta da polícia e o despejo brutal dos moradores da Real Parque. Mas, a ação das autoridades, apesar de criticada por muitos, tem sustentação “legal”, com base em decretos e normas internas da prefeitura. O decreto 48.832, de 17 de outubro de 2007, considera “a preservação do patrimônio imobiliário municipal”, e determina novos procedimentos jurídicos, administrativos e de repressão, que autorizam “a retirada compulsória, mediante o uso da força, o isolamento da área, a interdição, a notificação para desocupação, a lavratura de boletim de ocorrência por crime de desobediência e esbulho possessório, e a solicitação de auxílio de outras Secretarias e órgãos cuja intervenção se justifique, inclusive da Guarda Civil Metropolitana e da Polícia Militar do Estado de São Paulo”.

Para complementar as ações repressivas, uma Ordem Interna de 8/7/2008, assinada por Kassab, determina “a prisão em flagrante, juntamente com a Guarda Civil Metropolitana, se constatar a prática de eventual crime ambiental, contra o patrimônio ou contra a Administração Pública, encaminhando o infrator à Delegacia de Polícia mais próxima para a adoção das demais medidas cabíveis, e, se entender necessária, a presença da Polícia Civil, Polícia Militar ou da Polícia Militar Ambiental”.

Crianças da favela do Moinho. Causas do incêndio ainda não foram esclarecidas (Foto: Sâmia Gabriela Teixeira)

E é destrinchando o que são os programas de obras emergenciais, como os de preservação do meio ambiente e de urbanização de favelas, que encontramos as principais insatisfações da população, expressas nos últimos atos públicos, que já não aceita mais práticas de despejo com o auxílio de forças policiais como política pública de habitação, de conservação dos patrimônios municipais ou do meio ambiente. Muito menos a possibilidade de que muitos despejos tenham sido acelerados por meio de incêndios, considerados por muitos como criminosos, nas áreas alvo da especulação imobiliária.

Na periferia, o descaso do poder público que segue via contrária aos próprios princípios formais dos programas da Secretaria de Habitação do Município de São Paulo, poluindo mananciais e represas, colocando a saúde da população em risco com os esgotos a céu aberto. No centro da cidade, a higienização da prefeitura nas ruas, como a recente “Operação Sufoco”, ainda ativa, e as reintegrações de posses de prédios ocupados por movimento de moradia.

O ano de 2012 foi, desde o início, movimentado por manifestações, e o tom é de revolta seja frente aos métodos de desocupação e violência policial, seja pelo fogo silencioso que se alastra rapidamente pelos barracos das favelas. Não esquecemos as tantas reintegrações de posse na região central de São Paulo, que desde 2011 ganha cada vez mais força. Estamos atentos aos diversos incêndios e mais pedidos de reintegrações, como o próximo programado para o dia 11 de setembro, do prédio ocupado na avenida São João.

Todo esse contexto revela um sufocamento por parte das classes dominantes em busca do lucro, da construção desenfreada de bonitos prédios e fortalezas, e da cidade “limpa”. De acordo com o arquiteto e urbanista Pedro Arantes, “o modelo de urbanização de favelas atual é uma modalidade que a direita experimenta utilizando mais tecnologias de despejos, com pulso firme, e que não é um processo que acontece de baixo para cima, como na gestão Erundina, mas sim por empreiteiras que fazem o elo entre construtoras e Estado, onde até mesmo a assistente social é terceirizada”. Com tantas análises e reprovações, resta saber quem são os principais beneficiados por esse processo administrativo da cidade, que ganha cada vez mais força desde o início de sua implementação com as gestões Serra-Kassab. Quem são?!

Em Asturias, a mobilização dos mineiros

Por Sâmia Gabriela Teixeira (para a Ciranda e CSP-Conlutas)

Veja fotos e vídeo no link do blog.

O Sindicato dos Metroviários de São Paulo abriu seu espaço, no dia 20 de agosto, para receber o dirigente do Sindicato Independente CSI (Corriente Sindical de Izquierdas), Jose Gonzalez Marin, e seu relato sobre as grandes mobilizações de mineiros na Espanha. O evento, promovido pela CSP-Conlutas (Central Sindical e Popular), além de abordar a luta da classe operária na Espanha, também proporcionou a reflexão e o debate sobre a crise global econômica e as novas estratégias de enfrentamento contra o sistema capitalista que, segundo observou Marin, “oprime e explora os trabalhadores”.

Em seu discurso, o dirigente mineiro salientou a importância da luta de caráter internacionalista, reafirmando tal estratégia ao revelar surpresa por encontrar no Brasil semelhanças negativas com a Espanha e outros países da Europa. “Saí da Espanha sabendo de novas greves de outros setores, como o da saúde. Quando cheguei aqui, soube da greve de servidores federais e professores. Assim, creio que vivemos numa mesma situação, somos uma só vítima, sofrendo com o ataque do capital”, disse. A luta unificada internacionalista, segundo ele, deve partir não somente de sindicatos e trabalhadores, mas de movimentos sociais também, sobretudo no que diz respeito aos direitos humanos. “É importante expressarmos aqui nossa solidariedade e homenagem aos mineiros da África do Sul, e nos aproximarmos desse grave acontecimento. Desde que cheguei, tive a informação de que a polícia daqui é tão violenta, racista e discriminatória quanto a que executou os sul-africanos. Matam gente simplesmente por ser negra”, comentou, acrescentando que apesar de as violações dos direitos humanos serem evidentes, “os movimentos são constantemente criminalizados por tais estados fascistas capitalistas”.

Astúrias, a Marcha Negra e a mobilização global – O dirigente relembrou, para que fosse melhor compreendida a luta dos mineiros, a ditadura de Franco na Espanha, revelando o viés de enfrentamento que tem em sua formação política e atuação dentro da CSI. “Sabemos que o ditador Franco morreu de doença, e não foi justiçado pela classe trabalhadora como deveria ter sido, mas é importante resgatar a história desde a alavancagem da iniciativa privada na Espanha, que deixou na precariedade e miséria os trabalhadores do campo. Nas Astúrias, temos, historicamente, uma trajetória de luta, que mesmo sob um regime de ditadura, revela mobilizações de seu povo que lutaram por e mantiveram espaços de participação coletiva e ações de movimentos de mulheres e associações de bairro, por exemplo. Conto isso para entender que o que vemos hoje na internet, a Marcha Negra, os protestos, as greves e ocupações, não surgiu do dia para a noite. Nós, da Corriente Sindical de Izquierdas, somos um grupo de resistência, que age por enfrentamento utilizando todos os meios necessários, sem medo de mostrar a cara ou enfrentar a política”.

A Marcha Negra teve um trajeto de aproximadamente 400 quilômetros de caminhada, durou três semanas e reuniu um mar de gente em apoio à luta dos mineiros, tendo como ponto final a cidade de Madrid. Jose Gonzalez Marin, ao relembrar desse acontecimento, diz ficar arrepiado. Quase cem mil trabalhadores se uniram aos mineiros da marcha, e em coro gritavam: “Madrid, obrero, apoya a los mineros”. Segundo o dirigente, “a pressão sobre o governo é para evitar que o país não seja refém da crise e se transforme em uma nova Grécia, e para que o dinheiro destinado aos investimentos para formar trabalhadores não seja dividido no caminho entre governo e sindicatos”.

Representantes da categoria de metroviários questionaram o que pensa Marin sobre as privatizações, tão recorrentes aqui no Brasil, sobretudo, e atualmente, na área de transportes. Ele explicou que “a vitória contra essa política capitalista estará mais próxima na medida em que os setores deixarem de expor suas reivindicações somente para a sua classe, e assim buscar também a construção da unidade internacional contra a política de direitas fascistas”. Além disso, relatou que um dos problemas, também existente aqui, que “prejudica a articulação dos trabalhadores são os sindicatos ’amarelos’, que aqui definimos como ’pelegos’, que defendem, antes dos interesses da classe operária, a conciliação patronal, beneficiando apenas o que é rentável para o capital”.

Duas palestinas, a mesma luta

Na década de 1970, Leila Khaled atraiu atenção internacional com dois sequestros de aviões. Na década seguinte, surgiu a União dos Comitês de Mulheres Palestinas, na qual atua até hoje Abla Sa’adat. Conheça um pouco mais dessas duas trajetórias 

Por Sâmia Gabriela Teixeira (originalmente publicado na Revista Fórum)

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out-10

O Brasil e as bombas cluster

As razões pelas quais o Brasil não ratificou o acordo que proíbe o uso de um armamento que pode causar uma série de danos a civis em conflitos armados

Por Sâmia Gabriela Teixeira (originalmente publicado na Revista Fórum)

Berihu Mesele é um soldado reformado da Etiópia. Ele é do norte do país, da cidade de Mekele, é casado e tem dois filhos. Tem uma dura lembrança de 1998, da guerra entre Eritréia e Etiópia, conflito movido por questões territoriais. Neste ano, no dia 5 de maio, por volta das três horas da tarde, a Escola Primária Ayder foi alvo de um avião de combate que despejou munições cluster bombardeando o estabelecimento civil. Ao ouvir as explosões, Berihu correu para a escola com a intenção de socorrer os feridos. Com ele, uma multidão também seguia na mesma direção, todos preocupados com as crianças, filhos, sobrinhos, netos.

Já havia passado 30 minutos quando um novo avião sobrevoou o local e bombardeou novamente a escola. Berihu foi atingido por uma munição cluster e perdeu a consciência. Acordou após dois dias no hospital e logo soube que os ferimentos causados pela bomba eram muito graves, sendo necessário o amputamento de suas pernas. Hoje, o etíope Berihu é cadeirante, trabalha como funcionário do governo e ajuda a divulgar a história de vítimas das bombas cluster, reivindicando o banimento deste tipo de arma de guerra.

No ataque a Ayder, 53 pessoas foram mortas e 185 feridas. E este caso não é isolado. As bombas cluster agrupam munições explosivas capazes de atingir uma superfície extensa de até 30 mil metros quadrados, e espalhar mais de 600 munições a cada míssil. A maioria das bombas cai sem uma direção precisa, mas, apesar disso, muitos militares defendem a importância do uso da cluster por permitir atacar múltiplos objetivos de uma superfície, como tanques, veículos blindados e tropas. A experiência diz que a cluster cumpre bem seu papel, mas também pode-se incluir na conta dos “múltiplos objetivos” a vida de civis inocentes e até crianças e seus familiares localizados em uma escola. O perigo ainda ultrapassa os períodos de conflitos ou guerras, pois uma bomba cluster quando disparada pode se manter intacta no solo até que sofra manejo brusco ou queda. Uma criança de 20 quilos é capaz de explodir essa munição, o que a torna tão perigosa quanto as minas terrestres.

Há 23 países que têm registro de vítimas por explosões de bombas cluster. São eles: Afeganistão, Albânia, Azerbaijão, Bósnia-Herzegovina, Camboja, Chad, Croácia, Eritréia, Etiópia, Iraque, Israel, Kosovo, Kuwait, Laos, Líbano, Montenegro, Marrocos, Rússia, Serra Leoa, Sudão, Síria, Tadjiquistão e Vietnã.

Esforços humanitários e indústria bélica brasileira

Em 30 de maio de 2008 ocorreu em Dublin a Convenção sobre Armas de Fragmentação, que proíbe os países que ratificarem o tratado a usar munições cluster, desenvolver, produzir, estocar, reter, e transferir direta ou indiretamente a bomba. Além de tais condições, os países que ratificaram a convenção devem prestar suporte às vítimas e regiões de risco que ainda possuem bombas do gênero intactas. O Brasil se posicionou como observador na convenção, e não ratificou o tratado.

Deste grupo de países, 13 não ratificaram a proibição do uso da cluster, e apesar do Brasil não ser um país com histórico de guerras, o impacto de sua produção dessas munições se relaciona diretamente com países envolvidos em conflitos os quais foram e são utilizadas as bombas. Essa relação pode ser notada nos negócios entre Israel e Brasil. Em setembro, a Embraer Defesa e Segurança anunciou a aquisição de 25% da AEL Sistemas, subsidiária da Elbit Systems, a maior empresa bélica privada de produtos de defesa de Israel. Além da participação com a AEL Sistemas, a Embraer formalizou com a subsidiária a criação de uma nova empresa, a Harpia Systems, que prevê disputar um mercado potencial de 1 bilhão de dólares nos próximos 15 anos. Essa nova empresa terá estrutura própria em Brasília e a intenção é de que se estabeleça uma fábrica para engenharia e produção.

Além destas empresas, de acordo com a ONG Human Rights Watch, outras companhias têm destaque no mercado da indústria bélica brasileira e não somente fabricam essas armas de munição fragmentada como também exportam para outros países, principalmente do Oriente Médio. Dentre as empresas citadas estão a Avibras, Target e Ares, outra companhia comprada pela Elbit Systems no final de 2010. Uma das principais atividades da empresa israelense no Brasil é desenvolver a tecnologia de aviões de combate não tripulados, modelos utilizados no período de 2008 e 2009 na Faixa de Gaza e que tiveram a precisão de bombardeio fragilizada por uma pesquisa da Organização de Direitos Humanos Btselem, que constatou que 42 ataques por aviões desse tipo mataram 87 civis na região. Para o historiador e especialista em teoria militar, Douglas Anfra, há um jogo político e econômico que não respeita questões humanitárias, uma vez que “a indústria bélica é um lobby extremamente poderoso, capaz de pressionar governos, financiar campanhas e, na pior das ações, saciar a necessidade de girar capital com o ‘destruir e reconstruir’ que guerras proporcionam”.

Desenvolvimento necessário

Ratificar a convenção para banir as bombas cluster, na visão de alguns especialistas, significa uma perigosa desestabilização econômica no campo da indústria bélica, o que afeta o posicionamento político do país. Para Rafael Duarte, professor de Relações Internacionais do UDF (Centro Universitário do Distrito Federal) “o Brasil não ratificou por ter, além dos interesses comerciais, como contratos firmados ou em vias de confirmação, questões de estratégicas de segurança e também políticas”. Outro ponto significativo para ele é que “Rússia, China, Argentina, Estados Unidos, Arábia Saudita e Israel, entre muitos outros, nem chegaram a assinar o tratado”, e que apesar da União Europeia quase que totalmente ter ratificado, por uma questão de ser uma potência regional, torna necessário que o Brasil seja um pouco mais pragmático em termos de Defesa Nacional e produção bélica”.

Como um contraponto, ao analisar todos os possíveis fatores para a não ratificação, Douglas defende que o banimento das bombas cluster não teria força o suficiente para prejudicar os negócios da indústria bélica brasileira e nem mesmo o desenvolvimento armamentista, “pois a tecnologia desse tipo de arma já é considerada obsoleta perto das inovações de ponta das chamadas guerras eletrônicas”. Uma fonte do Itamaraty, do gabinete do ministro de Relações Exteriores, reforça essa lógica ao dizer que “qualquer esforço para eliminar um tipo de armamento não seria capaz de enfraquecer a economia no âmbito industrial de armamento, pois nesta posição basta redirecionar os investimentos para outros tipos de armas e tecnologias”.

Gabriel Amaral, cientista político e consultor do Instituto Brasil Empresarial (IBE), acredita que “a ratificação por parte do Brasil só seria viável com o desenvolvimento de uma compensação para essa indústria, para que nem a soberania, nem o desenvolvimento de pesquisa e diminuição da arrecadação tributária venha a prejudicar os interesses nacionais”. Para isso, já há uma cooperação por parte do governo, que no fim de setembro anunciou uma medida provisória que beneficia a indústria bélica com reduções ou isenções de tributos por 5 anos, dentre eles o IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) e o PIS (Programa de Integração Social).

Gustavo Vieira, especialista em Direito Internacional e coordenador da Campanha Brasileira Contra Minas Terrestres e Bombas Cluster, acompanhou as negociações do Tratado de Oslo e dialogou diretamente com o Itamaraty, sem obter resultados. “A pior consequência disso é que o Brasil dessa maneira apoia uma posição da comunidade internacional em favor de uma arma que sabidamente causa danos inaceitáveis a civis.” De acordo com Gustavo, a posição do país viola os limites fixados pelo Direito Internacional Humanitário. “Por não permitirem distinção dos alvos pela imprecisão – que pode ser fruto da altitude, vento, inclinação do solo, forma de armazenamento que alteram a condição do uso – e pelas falhas que gera efeitos de longo prazo – falhas de explosão que facilmente chegam a 30% das munições empregadas – essa é uma arma de efeitos desproporcionais”, explica Gustavo.

A soberania do Estado

Outro ponto analisado é o fato de que o desenvolvimento bélico de qualquer país é de suma importância para afirmar a sua soberania, e que esse crescimento favorece a situação econômica consideravelmente. “O Brasil é um dos países com menor taxa de pesquisa e desenvolvimento do mundo e qualquer medida que possibilite restrição a essa indústria pode reduzir ainda mais esse índice que já é insuficiente. O Brasil esta atrás de todos os outros países do BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul), ocupando a 47ª posição de 132 países no ranking mundial de inovação”, diz Gabriel. Porém, considerando que o Chile está em colocação avançada e é um país que ratificou a convenção, o banimento de tais armas parece, de fato, não intervir no desenvolvimento bélico do país.

A consideração sobre a soberania dos Estados surgiu também em entrevista coletiva com o consultor jurídico da Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV), Gabriel Valladares, aos alunos do Projeto Repórter do Futuro, da Oboré Projetos Especiais em Comunicações e Artes. Foi reforçado o fato de que os países não signatários ou os que não ratificaram a convenção “não são obrigados a apresentar justificativas para negar o tratado, por conservar, dessa maneira, a própria soberania”. Essa condição conflita com o perfil político do país que, comentado por Douglas, “ainda carrega características da ditadura militar, por ser um dos países em que, no momento de transição política para a democracia, não prendeu militares responsáveis por mortes injustificáveis e não reformou o exército como um todo”, deixando assim os interesses políticos, validados pela necessidade de soberania, um tanto duvidosos.

No caso da guerra entre Eritréia e Etiópia e, especificamente, do bombardeio à Escola Primária Ayder, o etiópio Berihu foi apenas uma das centenas de vítimas sobreviventes. Conforme as informações da instituição Land Mine and Cluster Munition Monitor (Monitor de Minas Terrestres e Munições Cluster), em outubro de 2010, a Eritréia negou fabricar munições cluster, e justificou a existência dos artefatos utilizados como material de herança da luta pela independência: bombas cluster CB-500. A arma é de origem chilena, país com histórico e perfil militar semelhante ao do Brasil, que nas décadas de 80 e 90 teve elevado lucro com a produção e exportação de cluster, enviada principalmente para a Etiópia e Iraque. Agora, com a ratificação feita em agosto desse ano, o país deve seguir as normas da convenção e evitar os danos e perigos que ainda existem nos países para os quais exportou a arma, e que matam e ferem até hoje civis comuns, como Berihu.

*A história do etíope Berihu faz parte dos relatos divulgados pela Organização Internacional Não Governamental Ban Advocates, que apoia vítimas de bombas cluster e minas terrestres e defende o banimento de tais armas seja em produção, exportação ou armazenamento. Para conhecer o trabalho da organização, acesse o site:www.handicapinternational.be/en

Foto por http://www.flickr.com/photos/clustermunitioncoalition/.

Samaúma, o barco da esperança

Para o site português IM Magazine

samauma

Crack: realidade cada vez mais comum

Operação malsucedida em uma das cracolândias paulistanas chama a atenção para o problema que já começa a dominar o cenário nacional

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out-17

Pinheiros ou M’Boi Mirim, a prefeitura já fez a sua escolha

Em 2012, M’Boi Mirim terá 46% a menos no orçamento, enquanto Pinheiros terá 12% a mais. Os problemas do bairro na zona Sul mostram que a prioridade deveria ser outra

Por Mario Henrique de Oliveira e Sâmia Gabriela Teixeira

Pense rápido. Se você fosse prefeito de São Paulo, qual região mereceria mais a sua atenção: Pinheiros ou M’Boi Mirim? Gilberto Kassab já fez a sua escolha, e optou pela primeira. Para o orçamento de 2012 da cidade de São Paulo, a subprefeitura de Pinheiros será a que terá o maior aumento, são 12% de recursos a mais. Do outro lado da tabela está M’Boi Mirim, que sofrerá o maior corte, nada menos do que 46%.

M’Boi Mirim: moradores reclamam da falta de transporte e estrutura (Foto: Sâmia Gabriela Teixeira)

A área da subprefeitura de M’Boi Mirim abrange os bairros de Jardim São Luis e Jardim Ângela e é quase o dobro da circunscrita pela subprefeitura de Pinheiros (Itaim Bibi, Alto de Pinheiros, Jardim Paulista e Pinheiros). São 62,74 Km2 contra 32,06 Km2, e a diferença também se reflete na população, 563 mil contra 289 mil.

Com maior facilidade de acesso a equipamentos públicos, como escolas, hospitais e parques, o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) da região da subprefeitura de Pinheiros é comparado ao de países ricos: 0,91. Esse índice leva em conta dados como a expectativa de vida ao nascer, educação e renda per capita de seus habitantes. Quanto mais próximo de 1, melhor é o resultado. Em M’Boi Mirim, o IDH é de 0,64, abaixo da média nacional, próximo de alguns países africanos.

Pinheiros: 12% no orçamento para 2012 (Foto: Mario Henrique de Oliveira)

Fora todas essas diferenças, a assessoria de imprensa da Secretaria Municipal de Coordenação das Subprefeituras de São Pauloinformou ao SPressoSP que o papel que cabe às subprefeituras é apenas o de zeladoria, ou seja, varrição de ruas, tapar buracos e cuidar do recapeamento de ruas. Não é papel delas cuidar da saúde, educação e bem-estar de seus moradores, embora o próprio site da Secretariaapresente uma versão mais ampla de atribuições, diferentemente do que diz a assessoria.

Nos boletins mensais que todas as subprefeituras divulgam, o mês de novembro teve como destaque, em todas as 31 subprefeituras, os mais de 2 mil quilômetros de vias recapeadas na cidade. Mesmo com o dobro de tamanho, M’Boi Mirim teve apenas 34 quilômetros de vias melhoradas, enquanto o número de Pinheiros chegou a 130 quilômetros.

A reportagem do SPressoSP foi às ruas das duas regiões de São Paulo. Confira a série de reportagens sobre como vivem os moradores desses dois extremos.

 

Um oásis e um caos social na mesma cidade

No M’Boi Mirim, moradores levam quatro horas para chegar ao trabalho e reclamam da falta de transporte público, enquanto Pinheiros concentra 14 estações de trem e metrô

Por Mario Henrique de Oliveira e Sâmia Gabriela Teixeira (originalmente publicado no site SpressoSP)

O Haiti é aqui”. Foi assim que Rosevaldo Caetano Alves, da Comissão de Moradores da Região de M’Boi Mirim, descreveu o bairro da periferia da região do extremo sul de São Paulo. A fala do líder comunitário foi apenas parte do discurso de indignação que fez à reportagem do SPressoSP. Lá, os moradores destacam o trânsito entre os problemas mais graves do local, mas não só isso.

Moradores do M’Boi Mirim levam cerca de quatro horas para chegar ao trabalho (Foto: Sâmia Gabriela Teixeira)

O transporte público aqui não funciona e a via é mal planejada. Isso, apesar de parecer ser apenas mais um problema, é o que provoca outros diversos transtornos aos moradores. Temos problemas de saúde, perdemos emprego, temos poucos professores nas escolas, poucos profissionais nos hospitais”, relata Alves. “Aqui é um lugar esquecido pelo poder público.”

Ainda de acordo com ele, o problema de mobilidade também afeta o acesso ao lazer dos moradores. “Nossas crianças não vão para bairros vizinhos. Brincam próximas de esgotos a céu aberto, córregos poluídos. O Brasil se mobilizou para ajudar o Haiti? Acho ótimo! Mas vivemos numa situação igual aqui. Com a mesma estrutura, carência e falta de segurança”, afirma Alves.

São Paulo foi considerada a pior cidade no que diz respeito à mobilidade urbana entre nove capitais brasileiras no Estudo Mobilize 2011. Se o trânsito causa transtornos ao paulistano, no M’Boi Mirim é ainda pior.

Os moradores das comunidades do bairro Jd. Ângela normalmente acordam às 3 horas da madrugada para conseguir chegar ao trabalho às 8 ou 9 horas da manhã. Maria dos Anjos, por exemplo, mora há cerca de 40 anos em M’Boi e há mais de 20 trabalha como cozinheira na casa de uma família, em Moema. Sua rotina não difere dos demais moradores, e além do prejuízo com os atrasos no trabalho, ela explica que essa complicação diária é um entrave até para o emprego: “O que o governo faz é nos privar do direito de ir e vir. Não podemos visitar nossa família em bairros vizinhos nem mesmo em um fim de semana. O trânsito aqui não ameniza em nenhum horário e em nenhum dia. Vemos jovens e mais jovens passando em entrevistas de emprego e depois sendo recusados quando a empresa conhece o local onde moram. Eles voltam frustrados. Isso é muito grave. Tudo vem do trânsito, mas não é um simples problema de transporte público. É descaso social.”

Da periferia para o centro

A região da subprefeitura de Pinheiros, que contará com um aumento de 12% no orçamento para o ano de 2012, pode ser considerada privilegiada no quesito transporte, se comparada a outras subprefeituras, principalmente a do M’Boi Mirim. Entre trens e metrô, a local conta com nada menos que 14 estações, fora as inúmeras linhas e corredores de ônibus.

Rosevaldo, com carta em defesa de transporte de qualidade. Para ele, o M’Boi é o Haiti. (Foto: Sâmia Gabriela Teixeira)

O pior é no horário que tenho que ir para a aula, lá pelas 18 horas. Muitas vezes a Praça Pan-Americana está travada e levo uns 40 minutos para atravessar a ponte e chegar ao Butantã”, diz o estudante Frederico Duarte. Em visita do SPressoSP à região, a reportagem ouviu algumas reclamações, mas a maior parte dos entrevistados tinham a consciência de que eram “privilegiados”, por morar e trabalhar nesta área de São Paulo.

A gente reclama de quando o ônibus para um pouco, mas é porque vivemos estressados. Se for parar para pensar temos é sorte. São poucas ruas esburacadas e o trânsito em geral flui bem. Final de semana então nem se fala, dá para andar de bicicleta tranquilo nas ruas”, conta Leandro Segurado, também estudante, que dificilmente leva mais de uma hora para chegar à sua universidade.

A auxiliar de escritório Sara Rodrigues trabalha na região central da cidade e mora no Campo Limpo, e diz que leva cerca de duas horas para chegar em casa, “mas por culpa de lá (Campo Limpo), pra chegar até aqui (Largo da Batata) é rapidinho. É aqui que a viagem começa mesmo”, conta ela. O largo da Batata acaba de ser totalmente reformado para receber a estação Faria Lima do metrô, linha 4 – amarela, e é um importante entroncamento entre a Marginal Pinheiros, a Avenida Faria Lima e as ruas Teodoro Sampaio e Cardeal Arcoverde, que levam e trazem o fluxo direto da Avenida Paulista. Vias que contam com imóveis de alto valor de mercado, prédios luxuosos, importantes escritórios e shoppings centers.

M’Boi Mirim, longe de ser uma prioridade

“Vemos jovens e mais jovens passando em entrevistas de emprego e depois sendo recusados quando a empresa conhece o local onde moram”, diz Maria dos Anjos (Foto: Sâmia Gabriela Teixeira)

Em 2010, os moradores da região de M’Boi realizaram dois grandes atos de protesto contra o descaso da prefeitura e subprefeitura em relação aos pedidos para melhoria no transporte público local. Até hoje, o que conseguiram foram a inversão de uma faixa nos horários de pico, ainda assim sem chegar ao chamado “fundão” do bairro, onde a via é estreita e movimentada. Apesar dessa inversão, mais próxima do Terminal do Jd. Ângela, o trânsito local não tem hora para começar. Saindo às 6h30 da região central de São Paulo, a reportagem doSPressoSP chegou ao número 10.100 da estrada M’Boi Mirim somente às 10h, lembrando que estava no sentido contra-fluxo.

José Jailson, morador da Chácara Bananal, “fundão” do Jd. Ângela, diz que “é comum chegar do trabalho às 21 ou 22h, e que o trânsito, ainda neste horário, é tão lento, que as pessoas preferem descer e seguir a pé muitas vezes por 3 ou 4 quilômetros”.

Diante da situação, os moradores se questionam por que melhorias na região não são prioridades. O prefeito Kassab, em julho deste ano, remanejou R$ 11 milhões da verba para a duplicação da estrada M’Boi Mirim para outros fins. Questionado, justificou que “se foram transferidos, é porque era prioridade que fossem transferidos”.

Subprefeitura de Pinheiros contará com um aumento de 12% no orçamento para 2012 (Foto: Mario Henrique de Oliveira)

No próximo ano, a região que abriga cerca de 700 mil habitantes sofrerá ainda mais consequências da distribuição de verba orçamentária da prefeitura. A subprefeitura de M’Boi Mirim terá uma redução de 46% no orçamento de 2012 se comparado a 2011. Já a subprefeitura de Pinheiros contará com 12 % a mais no orçamento.

No caminho para M’Boi Mirim, pela janela de um ônibus que saiu da região de Pinheiros, o cenário agrada aos olhos e mostra a gritante diferença  dos dois bairros. A avenida Faria Lima é dourada, com coqueiros altos, enfeitados com luzes de natal, shoppings centers, edifícios comerciais modernos e com o canteiro central da via com jardinagem planejada e grama aparada. Essa desigualdade torna-se cada vez mais visível conforme o ônibus Terminal Jd. Ângela se afasta da Marginal Pinheiros, repleta de prédios espelhados, para chegar aos bairros mais distantes, quando aos poucos a beleza dos edifícios caros contrasta com as casinhas com tijolos aparentes, na margem oposta do rio da marginal. E, neste ponto da cidade, ainda nem chegamos a M’Boi Mirim.

Pinheiros ou M’Boi Mirim (parte 2): a educação nos dois extremos da cidade

Faltam vagas no ensino fundamental na zona Sul; em Pinheiros, embora o número de escolas seja menor, sobram vagas

Por Mario Henrique de Oliveira e Sâmia Gabriela Teixeira

Enquanto as crianças e adolescentes da região de Pinheiros têm acesso às melhores escolas da cidade, quem mora em M’Boi Mirim luta por uma vaga em uma escola pública próxima à sua residência. Na educação, as diferenças entre os dois bairros são enormes, reforçando a desigualdade de oportunidades para quem nasce em um dos dois extremos da cidade. A situação encontrada pela reportagem do SPressoSP nas ruas das duas regiões, mostra, mais uma vez, que a prioridade da prefeitura de São Paulo não é o atendimento aos bairros mais carentes da cidade. A proposta de Gilberto Kassab para o orçamento de 2012, por exemplo, ampliou os recursos na subprefeitura de Pinheiros e reduziu 46% em M’Boi Mirim. (Leia aqui primeira parte desta reportagem).

No bairro localizado no extremo da zona Sul de São Paulo, 5.623 crianças estão aguardando uma vaga para poder estudar no Centro de Ensino Unificado (CEU) Vila do Sol, inaugurado há três anos.  “Quando conseguimos o CEU Vila do Sol pensamos que colocaríamos todas as crianças da fila de espera na escola. Antes do CEU, tínhamos 2.500 crianças do Jd. Vera Cruz e Horizonte Azul na fila de espera. Hoje, quatro anos depois, o número mais que dobrou”, diz Maria dos Anjos, do Conselho da Educação do bairro de M’Boi Mirim.

Adolescente sai de casa, no Jd. Vera Cruz, região da subprefeitura de M’Boi Mirim, para ir à escola (Foto: Sâmia Gabriela Teixeira)

A região conta com dois CEUs, 12 escolas de ensino fundamental (EMEF), nenhuma escola municipal de ensino fundamental e médio e nenhuma escola municipal de ensino especial. Segundo Maria, os CEUs foram uma conquista do Conselho de Educação do bairro, mas o que parecia um benefício caiu na má administração regional. “O problema é que na área de educação estamos sob os cuidados da subprefeitura de Campo Limpo, que contempla ou prioriza moradores de lá, e não de M’Boi”, afirma.

Porém, os problemas são ainda maiores. “Temos uma carência de professores na região e faltam aulas. Quando há professores, é comum que deem aula para 45 alunos. Como um professor pode dar conta de 45 crianças?”, questiona Maria. Ela também comenta que o tempo vago por falta de professor faz com que crianças e jovens fiquem nas ruas, sem opção de lazer.

Em visita ao bairro, a reportagem encontrou diversas crianças brincando perto de nascentes poluídas e esgoto a céu aberto. Maria dos Anjos alerta para outro fator negativo para a educação dos jovens da periferia: a distância percorrida para poder estudar. Muitos alunos têm dificuldade de ir estudar pelo tempo perdido no trânsito e pela verba utilizada com o transporte.

A integração só é permitida no prazo de duas horas. Muitas crianças aqui relatam que se sentem humilhadas quando têm de pedir para descer pela frente por perder o prazo de integração do Bilhete Único e não ter dinheiro para ir ou voltar. Isso é uma violência”, destaca. “Hoje, são mais de cinco mil crianças sem vaga nas escolas, e nossos filhos têm que buscar essa vaga, que deveria estar aqui. Eles saem de casa às 3h30 da manhã para estar às 7 horas na escola. Chegam atrasados, exaustos e sem rendimento.” É o que acontece com a filha de Maria, de 16 anos, que tem de se deslocar para Santo Amaro todos os dias, pois não há vagas nas escolas mais próximas.

Já em Pinheiros…

Do outro lado da cidade, na Escola Municipal de Ensino Fundamental Olavo Pezzoti, que fica na Vila Madalena, 60% do alunos não moram na região. “Por aqui ser uma área de classe média alta a procura é mais pelas particulares mesmo. Tem muito menino aqui que mora na Brasilândia, Taipas. São, em geral, filhos de gente que trabalha aqui perto, ou em casa de família ou em algum comércio, e a mãe prefere ter por perto”, afirma a diretora da escola Fátima Borges.

Escola Municipal Olavo Pezzoti, na Vila Madalena: 60% dos alunos não moram na região (Foto: Mario Henrique de Oliveira)

Se na região Sul faltam vagas, na zona Oeste elas estão sobrando. As três escolas municipais de ensino fundamental da região de Pinheiros oferecem juntas 2.301 vagas, mas apenas 1.993 estão preenchidas. Quase 13% das vagas estão ociosas. Segundo Fátima, a maioria dos alunos foram matriculados antes do sistema de escolha da escola por região implantado pela prefeitura, há dois anos. Com a nova regra, para matricular o filho, os pais devem ir em qualquer escola, onde é preenchida uma ficha, e o nome da criança é colocado no sistema que busca a vaga na escola mais próxima da residência em um raio de 2,5 quilômetros. Se não houver vaga na região, o nome da criança fica em espera.

O sistema causa transtorno também na hora de mudar de escola. Para isso, é necessário entrar com um pedido e o sistema procurará na região uma nova escola. “Tem criança que sai daqui e o sistema indica novamente a nossa escola. É meio confuso”, comenta a diretora. Ela diz que poucas mães sabem desse procedimento e que é comum chegarem à escola dizendo que já foram em outra unidade, onde disseram que tinha vaga e que era possível matricular o seu filho. “Até eu explicar que tem que fazer o pedido, que não dá pra mudar assim, vai um tempo”, conta.

Fátima não é a favor desse método. “Para mim, todo mundo tem o direito constitucional de escolher onde quer que o filho estude”, defende ela. A escola vive em uma situação confortável em relação a outras da rede municipal: conta com uma média de 28 alunos por sala, um número que segundo ela, é difícil de encontrar até nas escolas particulares. Funciona praticamente de domingo a domingo, oferecendo diversas atividades para seus alunos, entre as quais estão a língua inglesa, italiano, diversas modalidades esportivas, xadrez e até robótica. No corredor da diretoria, é possível ver diversos troféus de diferentes competições.

A gente sempre diz que temos a obrigação de dar certo. Não temos problemas com vaga, não podemos reclamar do nosso equipamento e nossos professores são todos pós-graduados”, conta a diretora. Questionada como consegue isso, ela é rápida na resposta: “Não tem milagre. É tudo verba do governo”. Fátima também diz que a escola tira proveito de sua localização. “Há muitas instituições do entorno que nos ajudam, então extrapola os limites da escola. As crianças vão para a ACM nadar, para o Aprendiz fazer arte, são coisas que em outros lugares não seriam possíveis.”

Se as crianças já encontram condições diferentes no ensino fundamental, os jovens paulistanos se deparam com dificuldades ainda maiores. “São Paulo oferece condições adversas e completamente opostas para diferentes jovens”, afirma o pesquisador Gilberto Cunha Franca, doutor em Geografia pela Universidade de São Paulo (USP), em entrevista publicada aqui. “Os indicadores da secretaria da Educação de fluxo escolar mostram que as chances de um estudante da escola pública da periferia terminar o ensino médio é duas ou três vezes menor do que a chances de um estudante de escola pública de área central da cidade. O mesmo se nota nos indicadores de desempenho. E quando se compara o fluxo e o desempenho médio da escola pública da periferia com o conjunto da escola particular da cidade, a diferença é absurda. Isso implicará em desigualdade de oportunidades no acesso à universidade e ao mercado de trabalho”, destaca.

Mensalidade escolar em Pinheiros é superior à renda familiar de M’Boi Mirim

Moradores da zona Sul sobrevivem em média com R$ 779 por mês e não conseguem vaga nas escolas da região. Em Pinheiros, estão os melhores colégios da cidade, onde as mensalidades não saem por menos de R$ 1.300

Enquanto os moradores da região de M’Boi Mirim sofrem com a falta de vagas, superlotação, entre outros problemas, as famílias da região de Pinheiros despendem entre R$ 1.300 a R$ 2.470 para cada filho. Em diagnóstico realizado pela prefeitura de São Paulo, em agosto de 2008, foi constatado que a renda média da população de M’Boi Mirim é de R$ 779. Com esse salário, dificilmente achariam escola para colocar seus filhos em Pinheiros, cuja renda é de em torno de R$ 4.000.

Colégio Santa Cruz, em Pinheiros, onde a mensalidade sai por cerca de R$ 2 mil (Foto: Mario Henrique de Oliveira)

Em Pinheiros, estão seis das 30 melhores escolas da cidade, considerando as notas do último Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Esse número pode subir para nove se for levado em consideração outras escolas que ficam a alguns metros do fim da jurisdição de Pinheiros. Outros bairros que aparecem nesta lista são Morumbi, Interlagos e Vila Mariana. Todos com população de alto poder aquisitivo. A boa educação hoje em São Paulo custa caro, e está distante da periferia.

As escolas de Pinheiros se destacam também quando o assunto é atividade extracurricular e salário dos professores. Para justificar seus altos preços, os colégios oferecem a seus alunos aulas de esportes, música, teatro, dança, línguas estrangeiras e até intercâmbio estudantil para outros países. Os docentes recebem pelo menos R$ 50 hora/aula. Na relação do Enem de 2011 só aparece uma escola pública entre as 30 melhores, a Escola Técnica Estadual de São Paulo (Etesp).

Além da escola, transporte particular

Os estudantes das escolas particulares de Pinheiros contam ainda com uma rede de serviços e trabalhadores. São desde pipoqueiros que ficam esperando a saída dos alunos até os perueiros, que buscam e levam os filhos de quem, além de pagar mensalidade, consegue financiar transporte particular para os seus.

Copiano leva estudantes para a escola, natação, inglês: “Se você é pobre tem que procurar patrão rico” (Foto: Mario Henrique de Oliveira)

Claudio Copiano transporta crianças e adolescentes do colégio Santa Cruz há 14 anos. Escola tradicional, o Santa Cruz é, segundo o Enem, um dos únicos dois colégios paulistanos no Top 10 de todas as áreas do conhecimento. Os pais que colocam seus filhos lá são exigentes não só na educação, mas também com quem tem a responsabilidade de carregar suas crias. “Carregamos o bem mais precioso que eles têm”, diz Copiano, “e eles reconhecem isso”.

No dia em que a reportagem conversou com ele, o motorista esperava um único aluno. “Trouxe ele lá de Alphaville e estou esperando ele terminar a última prova do ano para levar ele de volta”, afirma Copiano, que também faz o transporte dos alunos para o inglês, a natação, entre outros cursos. Questionado quanto cobra por seus serviços, o motorista se esquiva. “Depende da distância, de quantas vezes por semana eu pego esse aluno, se ele vai para outros lugares, mas é uma média de R$ 400”, acaba entregando.

O motorista diz que trabalha com muitos jovens que moram longe, como o caso do menino de Alphaville. “O pessoal prefere a escola daqui porque é mais tradicional, reconhecida. Já levei filho de artista, político, jornalista famoso”, garante.

Morador da região de Raposo Tavares, Copiano também trabalha com algumas escolas do seu bairro, mas diz, “aproveito que é perto de casa, mas é outro preço, outra história. Se você é pobre tem que procurar patrão rico, senão é difícil.”

Arapongagem na USP: “Isso só acontece em estado de exceção”, diz Benevides

Para a socióloga e professora titular da USP, Maria Victoria Benevides, é inadmissível perseguição política na universidade

Por Sâmia Gabriela Teixeira (originalmente publicado no SPressoSP)

edição de janeiro da revista Fórum trouxe uma denúncia sobre um esquema de arapongagem estruturado para investigar professores, movimentos estudantis e trabalhadores na USP. Para a socióloga e professora titular da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, Maria Victoria Benevides, o sistema de espionagem fere o espaço estudantil e só faria sentido em um contexto de estado de exceção. “Uma das principais características de uma situação de democracia efetiva é a transparência nas atividades que envolvem qualquer tipo de poder, uso de recurso público, regimentos, regras, punições. É absolutamente inadmissível que haja controle secreto numa universidade. Uma universidade não é espaço para espionagem. Isso só faz sentido numa situação militar ou semelhante, em estado de exceção, ou quando envolve questões que dizem respeito à segurança nacional”, diz. Para ela, “se no plano político a transparência é absolutamente indispensável, em um regime democrático, numa universidade, é mais ainda, pois se trata de um território livre, de reflexão, de pensamento livre e não há o menor sentido em existir arapongagem”.

A professora comenta também que não compreende como a universidade não se manifesta diante da tamanha gravidade que traz a denúncia da reportagem. “Me espanta profundamente a falta de posição mais democrática dos órgãos da USP, das autoridades competentes da universidade. Eu me aposento neste semestre, estou afastada das atividades da universidade, mas, pelo que sei de colegas e pelo que recebo pela internet de informação, fico indignada de ver que eles não se manifestam, nem que seja para negar”, critica a professora. “E, se negar, que neguem de maneira convincente, dando contraprovas para essa matéria. Essa é uma falha muito grande das autoridades”, complementa.

“Não se pode criminalizar movimentos, opiniões de alunos, professores ou funcionários. Deve ser criminalizado o que faz parte da criminalidade comum” (Foto: divulgação)

Ainda a respeito dos órgãos da universidade, Benevides salienta que é afiliada à Adusp (Associação dos Docentes da Universidade de São Paulo) e que levará em conta a posição da associação sobre a matéria. “É importante ressaltar isso, pois é o órgão que representa a comunidade docente e ao qual eu sou afiliada”.

Sobre o caso de agressão ao estudante, Benevides acredita que houve abuso de poder e que situações como essa e perseguições políticas devem ser investigadas. “Deve existir o direito de expressão, de opinião, respeito às divergências. Eu, que sou uma pessoa democrática, defendo os direitos humanos e o reconhecimento dos posicionamentos políticos divergentes. Não defendo e nem defenderei o vandalismo de aluno, mas muitíssimo menos a violência de autoridades dentro da universidade. Não se pode criminalizar movimentos, opiniões de alunos, professores ou funcionários. Deve ser criminalizado o que faz parte da criminalidade comum. Por exemplo, a agressão contra o estudante negro, que foi divulgada na internet e na imprensa, é um abuso grave da autoridade dentro da universidade e deve haver punição, sem dúvidas” conclui.

Crimes de Maio de 2006 viram tese de mestrado

Irmã de uma das vítimas dos chamados Crimes de Maio, que ocorreram em 2006 no Estado de São Paulo, Francilene Gomes defende dissertação de mestrado sobre o caso

Por Sâmia Gabriela Teixeira (originalmente publicado no SPressoSP)

Francilene Gomes é irmã de Paulo Alexandre Gomes, um dos desaparecidos entre os dias 12 e 21 de maio de 2006, após os ataques do PCC. Em setembro, ela realizou a defesa de sua dissertação de mestrado na PUC-SP. Além do caso do irmão, o trabalho apresenta o genocídio praticado pelo estado contra jovens da periferia. A seguir, leia trechos da entrevista com a militante pelos direitos humanos, que integra o Movimento Mães de Maio.

Francilene Gomes em sua apresentação na PUC-SP, sobre a violação de direitos humanos no caso de maio de 2006

Avanços da luta
Nesses cinco anos, o que tivemos de resultado, com a força dos movimentos sociais e das Mães de Maio, foi conseguir que meu irmão e mais três rapazes fossem reconhecidos como desaparecidos com instauração de inquérito. Isso é muito difícil acontecer, pois o desaparecimento não oferece a materialidade do crime e, portanto, não existe cadáver para instaurar o inquérito. Na verdade, há um quinto desaparecido que foi localizad

o e enterrado como indigente, em 2007. Os cinco constam no relatório do MP na relação de vítimas e nos relatórios da ouvidoria também.

Arquivamento dos inquéritos
Em 2007, as famílias dos desaparecidos receberam um telegrama da Secretaria de Segurança com uma intimação para uma reunião. Nesse evento, estavam presentes todos os representantes da cúpula da polícia, o diretor do IML e o secretário, que determinou que fossem investidos esforços para investigar os casos. Mas, no mesmo ano, o caso do meu irmão foi arquivado.

Prova técnica
Eles falam da questão da corrupção policial e da extorsão com o Marcola. Tudo isso. É uma prova e eu acho que a decisão do TJ sobre a indenização para a Débora tem, sim, relação com esse relatório [da ONG Justiça Global]. Só que precisamos de mais, né? De cinco anos pra cá temos poucos documentos oficiais. Estamos articulados com a Justiça Global, que apoia a questão da federalização e com a Defensoria da Baixada Santista, que tem um papel muito importante para nos representar.

Caminhos de luta
Eu acredito que é pela mobilização dos movimentos sociais que conseguiremos justiça. E nisso as Mães de Maio têm um papel importantíssimo, pois é um movimento que surgiu dos familiares das vítimas. Surgiu a partir da própria dor e sofrimento, e dos cinco anos sem resposta. Essa decisão do desembargador foi um lampejo de esperança para o movimento e nos dá mais energia para continuar.

Justiça condena Estado de São Paulo a indenizar família de vítima dos “Crimes de Maio”

Militantes do Movimento Mães de Maio reclamam de blindagem política do governo do Estado, que barra investigações e não dialoga com os familiares; defensoria pública segue com a defesa pela federalização dos casos.

Por Sâmia Gabriela Teixeira (originalmente publicado no SPressoSP)

Charge do Latuff

O Tribunal de Justiça de São Paulo considerou o Estado de São Paulo culpado pela morte de Edson Rogério Silva dos Santos, filho de Débora Silva, uma das mães que perderam seus filhos entre os dias 12 e 21 de maio de 2006. Ela, que integra o Movimento Mães de Maio, deve receber indenização de R$ 165,5 mil e pensão mensal, conforme a decisão. No entanto, Débora ressalta que mais importante do que o dinheiro é a porta que se abre para a investigação das execuções e desaparecimentos, ocorridos em 2006.

Em maio daquele ano, grupos de ação de extermínio promoveram um revide aos ataques da facção criminosa PCC. Nessa onda de violência, cerca de 493 pessoas morreram e, deste número, mais de 400 delas eram negras, jovens e pobres. “Os mortos de 2006 estão em covas coletivas, enterrados como indigentes. Nós queremos a exumação dos corpos, caso contrário o estado reafirma sua posição nada democrática, do governo que prefere ocultar cadáveres”, protesta Débora.

Débora relata que a maior dificuldade para o movimento é obter atenção justa por parte das autoridades de segurança pública do Estado de São Paulo. Segundo ela, a decisão da ministra da Secretaria de Direitos Humanos, Maria do Rosário, de promover a investigação com a colaboração das polícias estadual e federal, é uma evidência de que o governo de São Paulo tenta encobrir os casos de 2006. “Os promotores do Foro da Capital parabenizaram os policiais pela eficiência durante os crimes de maio. Eles disseram sentir muito pelas mortes de agentes públicos. Até hoje, nem mesmo um ‘sinto muito’ recebemos do Estado”, afirma Débora, que defende a federalização do caso. Para ela, “há evidências suficientes para dar prosseguimento às investigações, que estão arquivadas, não somente para evitar o julgamento de agentes públicos, mas também por estar alinhado a uma política de acesso restrito à justiça, que isola a sociedade pobre que já é reprimida”.

Para Francilene Gomes, irmã de Paulo Alexandre Gomes, desaparecido durante os Crimes de Maio, a decisão do TJ só foi possível com a articulação dos movimentos sociais sendo que, na sua opinião, o relatório da ONG Justiça Global foi essencial para a decisão no caso de Edson. “Se dizem que não há provas, esse documento mostra todas as evidências possíveis recolhidas na imprensa, com base em boletins de ocorrência e depoimentos de autoridades de segurança pública. Mas ainda falta muito”, desabafa Francilene, que defendeu dissertação de mestrado sobre os crimes de maio e as violações de direitos humanos, na PUC-SP.

Ilustração Ethan Thomas/Justiça Global

Relatório mostra indícios de execução das vítimas

Produzido pela ONG Justiça Global, em parceria com a Universidade de Harvard, o documento afirma que “muitos casos apresentam indícios concretos de que vítimas teriam sido executadas. Em alguns deles, as lesões das vítimas – como as provocadas por disparo em curta distância (queima roupa), disparos na nuca, múltiplos disparos de cima para baixo, concentrados na área do coração, e outros ferimentos incompatíveis com confrontos – levantam sérias dúvidas sobre a existência e natureza dos confrontos alegados por policiais”.

“O que tivemos de resultado, com a força dos movimentos sociais e das Mães de Maio, foi conseguir que meu irmão e mais três rapazes fossem reconhecidos como desaparecidos com a instauração de inquérito. Isso é muito difícil acontecer, pois o desaparecimento não oferece a materialidade do crime e, portanto, não existe cadáver para instaurar o inquérito. Só que os casos acabaram sendo arquivados um ano depois, em 2007. Mas é claro que a decisão do desembargador do TJ foi um lampejo de esperança para o movimento”, diz Francilene.

Segundo o presidente da Comissão de Segurança Pública da OAB de São Paulo, Arles Gonçalves Júnior, os casos de civis não foram solucionados por falta de provas concretas. Para ele, é mais fácil obter resultado efetivo para os casos que envolvem agentes públicos devido à quantidade de informações sobre as vítimas. “É certo que conseguimos solucionar os casos de assassinatos de agentes públicos, pois eles faziam parte de um grupo que já investigava os passos do PCC. Mas como solucionar casos em que não há provas técnicas sólidas? Muitos criminosos resolveram atritos entre si para jogar na conta do Estado. Por isso, vale ressaltar que não jogamos os casos na gaveta. Mantemos todas as investigações, mas elas são congeladas, não pelo simples arquivamento, mas sim pela impossibilidade de solução do caso”, afirma Gonçalves.

O presidente da comissão diz ainda que “não descarta a possibilidade de crimes por parte de policiais, mas considera muito mais complexa a situação e a dificuldade nas investigações dos civis comuns”.

Enquanto isso, o Movimento Mães de Maio continua cobrando justiça. “Quero que nossa vitória não seja resumida a indenizações. É preciso deixar muito claro que PM matar filho não é normal. Seja um trabalhador ou um bandido, não é porque a pessoa tem ficha na polícia que merece ser executada na primeira oportunidade”, diz Débora. “Não podemos achar normal criminalizar a pessoa pela sua classe social. Os valores estão invertidos e chegou a hora de perseguimos os crimes dos bandidos de colarinho branco, e não os negros pobres da periferia”, finaliza.

De acordo com uma pesquisa da Unicef e do Observatório de Favelas, publicada em 2009, caso as estatísticas permaneçam com o crescimento habitual de execuções, até 2012, no Brasil, haverá mais 33,5 mil jovens mortos, sendo que o risco para os negros é três vezes maior em comparação aos brancos.

Defensoria e Instituto Práxis denunciam agressões na Cracolândia

Paulo Cesar Malvezzi Filho, presidente do Instituto Práxis de Direitos Humanos, conta que a ação policial tem sido violenta e que essa realidade sempre fez parte da rotina das pessoas em situação de rua naquele local

Por Sâmia Gabriela Teixeira (originalmente publicado no SPressoSP)

A Operação Nova Luz tem sido discutida na imprensa e questionada pela opinião pública nas rodas de conversa e, sobretudo, nas redes sociais, onde são divulgadas fotos e relatos de agressões e truculência policial. A última comentada nas redes, registrada pelo fotógrafo Nilton Fukuda, para a Agência Estado, mostra o ferimento nos lábios de uma jovem de 17 anos, que teria sido obrigada por policiais a abrir a boca e receber um disparo de bala de borracha.

Segundo o relato da garota, tiro de bala de borracha foi proposital (Imagem: reprodução)

O presidente do IPDH (Instituto Práxis de Direitos Humanos), Paulo Cesar Malvezzi Filho, conta que a ação tem sido mesmo violenta e que essa realidade sempre fez parte da rotina das pessoas em situação de rua naquele local. Para ele, “a situação ganha mais destaque agora, a partir da operação policial, mas as agressões sempre aconteceram”. Em conversa com o SPressoSP, ele descreve a situação de repressão e como o instituto tem atuado para evitar abordagens policiais violentas.

SPressoSP – Está circulando na internet e especialmente nas redes sociais a foto de uma garota que teve um ferimento na boca por disparo de bala de borracha. Quando vocês receberam a denúncia e quando o fato ocorreu?

Paulo Cesar Malvezzi Filho – Soubemos do caso ontem. O fato aconteceu no fim de semana e foi denunciado para a Defensoria Pública, que tem base de atendimento na região com a coordenação do núcleo feita pelo defensor Carlos Weis. Temos feito um trabalho de acompanhamento dos defensores para registrar os casos de agressão, mas foto da garota é a única que temos. As pessoas na região ficam muito nervosas com a presença de câmeras e também da imprensa de modo geral.

SSP – Vocês registraram outras denúncias além dessa?

Malvezzi – Soubemos de atropelamentos, espancamentos e há quem faça denúncia para a Defensoria passando os nomes dos agressores. A verdade é que, só agora, com mais essa denúncia, é que esses acontecimentos têm vindo à tona, mas, segundo os relatos, esse tratamento dado às pessoas em situação de rua acontece no cotidiano. Essa é uma prática rotineira. As autoridades avançam com as viaturas pra cima da população, eles são tocados que nem gado, e muitos deles estão debilitados para fugir, se proteger. Eles passam com os carros por cima das pernas das pessoas e normalmente isso ocorre na madrugada.

SSP – A presença do IPDH tem, de alguma maneira, evitado as agressões?

Malvezzi – Sim, percebemos que quando há uma movimentação da Defensoria e nossa presença eles chegam a ser educados com a população. Eles sabem que estamos lá para denunciar, então, de certa forma, conseguimos coibir a violência pela presença. A Defensoria mantém o posto móvel no local e cumpre bem esse papel também.

SSP – E quais têm sido os procedimentos da defensoria para os casos de denúncias de agressões?

Malvezzi – No caso específico da garota que teve a boca machucada, a defensora Daniela de Albuquerque registrou o boletim de ocorrência e pediu que o caso seja registrado como tortura. Há também os que não querem se identificar. Nesses casos, a Defensoria e o instituto têm recolhido os relatos para produzir um relatório que sirva como enfrentamento contra a postura da polícia.

SSP – Além do acompanhamento do trabalho da Defensoria e da tomada de depoimentos, como o IPDH tem atuado no local?

Malvezzi – Estamos distribuindo uma cartilha de direitos produzida pela Defensoria que explica que eles podem permanecer no local, com informações que servem como uma mini-educação em Direito. O material é para que saibam os limites da operação policial, para que conheçam os seus direitos. Além disso, temos trabalhado com a divulgação do trabalho da Defensoria e dos relatos e denúncias das agressões na internet e nas redes sociais.

Crack: realidade cada vez mais comum

Operação malsucedida em uma das cracolândias paulistanas chama a atenção para o problema que já começa a dominar o cenário nacional

Por Glauco Faria e Sâmia Gabriela Teixeira (originalmente publicado na Revista Fórum)

Há um ano, esta Fórum deu como capa de sua edição de fevereiro o crack. O objetivo era colocar em evidência um problema que já dava sinais de ser uma questão nacional, exigindo a elaboração de estratégias em diferentes áreas como Saúde, Segurança Pública e Assistência Social. Mas que também tinha como desafio superar preconceitos e mitos que foram construídos durante anos, estigmatizando os dependentes que se multiplicam nas ruas do País.

Em janeiro deste ano, a prefeitura de São Paulo, em operação conjunta com o governo do estado, promoveu uma ação que, ao que tudo indica, não só não logrou êxito como colaborou para que os estigmas que pesavam sobre as pessoas que fazem uso da droga fossem reforçados. As pesquisas de opinião feitas sobre a Operação Centro Legal ou “Sufoco”, como ficou conhecida, mostram dados contraditórios. O levantamento feito pelo Instituto Informa, para o jornal O Estado de S. Paulo, ouviu mil pessoas entre 27 e 30 de janeiro e destacou que 84,7% da população da capital apoiam a ação, mas, ao mesmo tempo, 67,9% dos pesquisados não acreditam que a operação basta para resolver o problema do tráfico no local. Ou seja, os paulistanos acham que alguma medida deveria ter sido tomada em relação à cracolândia, mas duvidam da eficácia daquilo que foi feito.

“Essa questão da cracolândia é higienista. Não atacaram outras cracolândias porque não dá mídia”, sustenta Marcelo Niel, psiquiatra da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Ele alerta que a região que foi alvo da operação policial, que está incluída no âmbito do projeto Nova Luz, é somente um dos locais onde se consome crack de forma pública na cidade de São Paulo. “Em São Paulo, em primeiro lugar, não são cracolândias tão invisíveis, existe uma, na favela do Heliópolis; outra, em uma favela da região do Cambuci, muito parecida com a do centro, com gente andando e consumindo. Na favela de Águas Espraiadas, as pessoas alugam barracos, assim como em outros lugares, e também há consumo na rua”, aponta.

Além dessa “diversidade” de locais em que usuários de crack se concentram, São Paulo também conta, tanto em bairros de classe média como na periferia, com as “cracolândias invisíveis”, imóveis onde os usuários podem utilizar a droga de forma privativa. “Alugar imóveis para o uso de crack é o melhor negócio imobiliário. As pessoas ficam em dez, 12, naqueles barraquinhos, e tem até cabines para uso individual. Fazem por uma questão de segurança e discrição, já que não é todo usuário que está nessa situação de utilizar a droga na rua”, explica Niel.

Mas a ineficácia da ação não se resume apenas ao fato de a repressão se dar em um único lugar. O coordenador de Políticas sobre Drogas da Secretaria de Estado da Justiça e da Defesa da Cidadania, Luiz Alberto Chaves de Oliveira, explicou aquela que seria a estratégia utilizada na região da Luz. “A falta da droga e a dificuldade de fixação vão fazer com que as pessoas busquem o tratamento. Como é que você consegue levar o usuário a se tratar? Não é pela razão, é pelo sofrimento. Quem busca ajuda não suporta mais aquela situação. Dor e o sofrimento fazem a pessoa pedir ajuda”, defendia, durante a operação.

“É uma grande falácia, os indivíduos que circulam no local, se não acharem a droga ali, vão em outro lugar, as pessoas sabem onde as drogas estão. Ele não vai entrar em crise de abstinência porque estourou uma cracolândia, ele vai pra outra”, argumenta Niel. “Do ponto de vista da repressão, faz sentido destruir, mas não tem nada a ver com a saúde. E a solução da internação compulsória, em geral, não vai adiantar, porque ela não tem aspecto curativo, serve pra tirar a pessoa daquela fase pior. Mas sem indicação e estrutura adequada, bate a fissura no usuário e ele volta para o uso.” No fim de janeiro, a própria Polícia Militar admitia que os usuários haviam se espalhado por 27 bairros da cidade.

Cenário paulista

Ainda que o seu consumo chame mais atenção nas concentrações do centro da capital paulista, o problema do crack vai muito além. No estado, a Frente Parlamentar de Enfrentamento ao Crack e Outras Drogas da Assembleia Legislativa fez um levantamento para mapear o problema no primeiro semestre de 2011. Foram enviados questionários com dez perguntas para 325 municípios, onde se concentra 76% da população do estado. O crack aparece em 31% das respostas, figurando como a droga ilícita mais utilizada nos municípios do estado, ficando atrás do álcool, que aparece em 49% das respostas. A maior parte dos municípios, 79%, não conta com leitos públicos para tratamento de dependentes químicos.

“O levantamento realizado pela Frente Parlamentar apontou que o crack está hoje em todos os 645 municípios paulistas e atinge todas as classes sociais. É uma verdadeira epidemia e um grande desafio para nossos gestores. Conforme verificamos no levantamento, essa droga avançou ainda mais em cidades com população entre 50 mil e 100 mil habitantes, que totalizam 50 no estado”, pondera o deputado estadual Antonio Mentor (PT), membro da Frente. “As prefeituras destas e das demais cidades estão ainda engatinhando na rede de serviços de Saúde e Assistência Social para atender os dependentes, além de receberem pouca orientação e quase nenhum recurso do governo estadual, que até hoje não apresentou um plano para enfrentar esse gravíssimo problema. Veja que não chegam a 400 os leitos públicos disponíveis para tratamento de dependentes”, pontua. “Outro dado preocupante do nosso levantamento é a presença do crack entre crianças e adolescentes, de 9 a 15 anos, em cidades das regiões de Registro, Araçatuba, Campinas e Ribeirão Preto, principalmente.” Em municípios da região de Barretos, o crack já é tido como a droga mais presente. Ali, 33,3% das respostas se referem à droga como uma das mais encontradas, enquanto que 25% apontam o álcool.

Outra constatação da Frente Parlamentar diz respeito a categorias específicas de profissionais que estariam sofrendo mais com o problema de dependência da droga, utilizada para suportar uma excessiva carga de trabalho. É o caso de trabalhadores das usinas de cana e na indústria cerâmica. Em 2003, a pesquisadora Arlete Fonseca de Andrade já observava em sua tese de mestrado em Psicologia Social na PUC-SP, Cana e crack: sintoma ou problema? Um estudo sobre os trabalhadores no corte de cana e o consumo do crack, como a disseminação da droga entre os trabalhadores dos canaviais do interior paulista (mais especificamente na região de Jaú) vinha se tornando uma questão de saúde pública. “O uso de drogas abarca vários contextos, como: a história individual, grupal, cultural e social regida em cada sociedade. Em relação às comunidades rurais, as razões podem ser diversas, como a falta de perspectivas nos âmbitos profissional e pessoal, ausência de assistência da rede pública para atender suas necessidades básicas, o trabalho que exercem ser muito exaustivo (ganham por produtividade/dia de cana cortada) ruptura dos vínculos familiares, religiosos e culturais etc.”, analisa, em sua pesquisa. “O crack é um sintoma de vários problemas sociais que surgiram entre as populações rurais, e o estágio em que se encontra atualmente já se caracterizou numa doença crônica, que é a dependência física e psicológica dessa droga.”

Mas tal problema não está circunscrito apenas a São Paulo. Em Alagoas, no ano passado, o Fórum Estadual de Combate às Drogas identificou que muitos trabalhadores do estado já faziam uso da droga, segundo seus próprios depoimentos, como forma de aumentar sua produtividade nas usinas de cana-de-açúcar. “O crack é hoje uma droga de fácil acesso. Seu poder mercadológico é grande e, infelizmente, no Brasil, a coisa piora a cada dia. Não existe uma política eficiente sobre o crack, então, isso facilita muito a entrada dele em qualquer profissão. No caso dos cortadores de cana, houve uma grande mentira colocada aos trabalhadores, que seria produzir mais quando estivesse sobre o efeito do crack. Fiz um trabalho na usina em Boca da Mata, e lá soube que essa ilusão foi passada pelos traficantes, que fazem de tudo para vender a droga”, relata Noélia Costa, coordenadora do Fórum de Combate às Drogas de Alagoas.

Nas cidades, em todas as classes sociais

Levantamento feito pela Confederação Nacional de Municípios (CNM) divulgado no início do ano mostrou que, dos 4.430 municípios brasileiros que responderam aos questionários da pesquisa, problemas relacionados ao crack, que atingem áreas distintas como Saúde, Segurança Pública, Assistência Social e outras, são comuns em 93,9% das cidades. Em maior ou menor grau, espaços onde se concentram usuários da droga, como a cracolândia da região da Luz, em São Paulo, estão presentes em outras 16 capitais brasileiras, segundo dados de um mapeamento realizado pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).

Há variações entre um lugar e outro. Em Salvador, há concentrações de alta densidade como nas capitais do Sudeste, São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, e também existe o consumo do chamado “virado”, uma mistura de cocaína com pedras de crack. O mesmo ocorre no Distrito Federal, no Plano Piloto e em cidades próximas. Já em Manaus, na região Norte, predominam polos de menor concentração, enquanto Florianópolis e Porto Alegre, na região Sul, apresentam locais de tamanho médio. Em nove dos 17 municípios, ruas em áreas degradadas das regiões centrais são utilizadas pelos usuários. Em Cuiabá, por exemplo, há alguns bairros com “minicracolândias”, onde o uso também se faz de forma pública. Ana Elisa Limeira, coordenadora do Conselho Estadual de Políticas sobre Drogas (Conen), reconhece que uma das principais dificuldades para a abordagem da situação é a falta de dados mais precisos sobre o uso do crack no estado e também no Brasil. Segundo ela, a realização de fóruns regionais em 2011 servirá para construir uma política estadual sobre o tema, graças a informações fornecidas por especialistas na área e pela sociedade civil. “Também foi desenvolvida uma grande pesquisa sobre a realidade mato-grossense do atendimento, assistência e rede de prevenção às drogas em nosso estado, que será divulgada pela Universidade Federal do Mato Grosso (UFMT), em março”, informa.

Luciane Marques Raupp, em tese de doutorado em Saúde Pública apresentada no ano passado na Universidade de São Paulo, analisou os circuitos de uso de crack nas cidades de São Paulo e Porto Alegre. Citando o livro de Marisa Feffermann, Vidas Arriscadas, ela relembra como a introdução do crack mudou a própria lógica do tráfico na capital paulista. “Primeiramente, porque incentivou a importação de pasta-base em vez de cocaína e, também, por seu comércio baseado principalmente no microtráfico [forma de comércio no qual usuários vendem drogas para sustentar seu consumo].” Conforme Raupp, as concentrações de usuários analisadas nos centros das duas capitais são “resultado tanto dos processos de crescimento das cidades e degradação de alguns de seus espaços centrais quanto dos rumos das políticas públicas, as quais, por omissão ou ênfase em estratégias equivocadas, não conseguiram lidar adequadamente com a emergência e a propagação do uso de crack.” Com base no estudo, há também sutis diferenças entre as cracolândias; em São Paulo, há agrupamentos heterogêneos com crianças, adolescentes e adultos compartilhando cachimbos, enquanto na capital gaúcha os grupos têm maioria masculina, somente com adultos e jovens, sem crianças, além de se constatar a presença de idosos migrando do álcool para o crack.

Embora a propagação da droga tenha se dado primeiro entre a população de renda mais baixa e pessoas em situação de rua, o que fica evidente analisando-se os locais onde o consumo se dá de forma mais visível nos centros urbanos, o problema da dependência do crack já atinge também outros segmentos socioeconômicos. “O crack começou como ‘droga de pobre’, chegando primeiro ao indivíduo em uma situação social menos favorecida. Hoje em dia, é muito raro ver os meninos em situação de rua cheirando cola, porque migraram para o crack. O morador de rua que antes só bebia, também está usando crack”, destaca Marcelo Niel. “No entanto, o que vemos acontecer hoje em dia é que a droga tem atingido outro tipo de usuário, são pessoas mais velhas, alguns com dinheiro, que acabam se tornando dependentes do crack. A diferença para os outros usuários é que a pessoa usa o crack, mas tem a família, vai e volta, fica em determinada situação precária por alguns dias, mas consegue de alguma forma retornar para o seu cotidiano”, explica. O uso e a aquisição do crack em grupo pode significar para os excluídos uma forma de pertencimento, justificando também a convivência com outros estratos sociais. “Quando um grupo está consumindo qualquer tipo de droga, por mais diferente que seja, existe uma integração, e os diversos tipos de preconceitos são deixados de lado, pois a droga age com efeito de interação entre as pessoas, fazendo com que elas deixem de lado seus valores morais, sociais e culturais, unificando-as num só corpo agindo para uma determinada função, qual seja, consumir a droga. A única coisa que importa naquele momento na vida dessas pessoas é a própria droga”, sustenta Arlete Fonseca de Andrade, em sua dissertação de mestrado.

Ainda que possam eventualmente buscar a droga nas mesmas fontes ou até mesmo utilizá-las em conjunto, seja nas ruas ou mesmo em lugares privados, a diferença entre usuários de segmentos sociais distintos se faz presente na possibilidade de ter acesso à rede de atendimento à saúde. De acordo com o levantamento da CNM, 91,5% das cidades não têm programas para combate ao crack e somente 14,78% destas afirmaram possuir unidades do Centro de Atenção Psicossocial (Caps), que, entre outras atribuições, oferece atendimento clínico a usuários de drogas. Ou seja, o poder público, em todas as suas instâncias, ainda não está preparado para enfrentar a questão e oferecer atendimento universal às classes mais baixas, em especial, aos moradores de rua.

O próprio ministro da Saúde, Alexandre Padilha, admitiu que o País vive uma “epidemia de crack”, em dezembro do ano passado, quando lançou um programa de ações integradas com o mote Crack, é possível vencer. Segundo dados do Ministério, entre 2003 e 2011, o atendimento a usuários de crack na rede de Saúde aumentou dez vezes. O governo federal promete investir R$ 4 bilhões até 2014, em ações executadas de forma conjunta com municípios, estados e sociedade civil. Ainda que seja tardia, a atenção do poder público para o problema do crack é bem-vinda, mas com um esforço que envolva iniciativas que possam ir além da simples criminalização do usuário, superando as emblemáticas ações higienistas que colaboram para estigmatizar mais os dependentes.

Cotidiano de violência

Um estudo realizado pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) com 170 pessoas na cracolândia da região da Luz, no centro de São Paulo, mostra que mais de metade dos usuários do local usam o crack há mais de dez anos, ou seja, embora tenha um potencial destrutivo muito alto, os dependentes podem viver muitos anos utilizando a droga. O risco maior de morte está, na prática, no envolvimento com a criminalidade e com um cotidiano marcado pela violência. A mesma pesquisa constata que 13% afirmaram praticar assaltos para sustentar o vício, enquanto outros 13% admitiam prestar serviços a traficantes. Outros 53% afirmaram ter testemunhado mortes na cracolândia.

“A pessoa rapidamente caminha para uma deterioração, ela não necessariamente parte para o delito, mas, se está na fissura, se envolve com delitos”, explica Marcelo Niel. “Mas a população de rua está em situação de risco para o uso de drogas, e está sujeita ao crack também”, completa.

O grande delito no circuito comercial do tráfico, que pode levar à morte do usuário, é o consumo de drogas com outros traficantes. O meio dos traficantes de garantir a lucratividade é administrar as dívidas dos dependentes, que passam a prestar serviços para sustentar o vício. Em uma das matérias de capa de Fórum, de fevereiro de 2011, Luiz Flávio Sapori, coordenador do Centro de Pesquisas em Segurança Pública da PUC-MG, alertava para essa peculiaridade. “Estou convencido de que a realidade de BH é replicável para as demais capitais brasileiras. Acredito que o crack tem relação com o grande crescimento de homicídios nas capitais nordestinas ao longo dessa década, as que mais tiveram crescimento da violência urbana”, afirmava, fundamentando sua argumentação em estudo que mostrava a linha tênue que existia entre consumo e tráfico no comércio da droga.

 

Resistência: ocupação de prédio na av. São João continua mesmo após decisão judicial

Militantes de movimentos por moradia mantêm presença no antigo hotel Cineasta após tentativa de retirada das famílias

Por Sâmia Gabriela Teixeira (originalmente publicado no SPressoSP)

Movimento decidiu resistir e, se houver força policial, promete ocupar outro prédio

A juíza Maria Rita Rebello Pinho Dias, da 30ª Vara Cível Central do Poder Judiciário de São Paulo, determinou a reintegração imediata de posse do prédio localizado na avenida São João, o antigo hotel Cineasta, ocupado desde segunda-feira (7) por movimentos de luta popular e de habitação. Após negociação, no entanto, o prédio permanece ocupado até que sejam anunciadas novas medidas que garantam o direito à moradia às famílias que estão no local.

Na tarde de ontem, viaturas da Guarda Civil Metropolitana e da Polícia Militar chegaram ao local com a presença de funcionários da prefeitura, do conselho tutelar, assistentes sociais e o oficial de justiça com o mandado de reintegração de posse imediata em mãos.

A coordenadora de Assistência Social da Secretaria de Habitação regional do Centro, Maria José Calderine, informou momentos antes do primeiro contato com as lideranças da ocupação que “o procedimento de retirada garantiria todas as necessidades de urgência às famílias e que a desocupação deveria ser imediata por já haver destinação de projeto para o prédio”. O advogado Benedito Roberto Barbosa, líder do UMM (União dos Movimentos por Moradia), pediu à coordenadora cópia do mandado para análise e discussão entre as lideranças. Após leitura do documento, os movimentos decidiram resistir por entenderem haver inconsistências no mandado. A principal falha apontada foi a assistência às famílias para que fossem encaminhadas para programas habitacionais, que de acordo com Maria das Graça Xavier, coordenadora do UMM, não seria possível prontamente. “A responsabilidade deles é assistir e isso, na atual situação, não é possível. Eles não têm nenhuma solução concreta. Queremos soluções definitivas e imediatas”, disse.

Após conversa entre líderes do movimento, o oficial de justiça e o comandante da operação policial, tenente Costa Alves, ficou decidido que uma nova reunião seria agendada para verificar quais medidas seriam tomadas para a desocupação do prédio. “Apesar do pedido de reintegração ser urgente, com ações imediatas, o documento assinado no dia 7 só chegou às mãos das lideranças na tarde do dia seguinte, e as famílias que permanecem no prédio não receberam nenhuma notificação. E existe o prazo de 15 dias para contestação por meio de advogado. Foi tudo muito rápido e nada foi compartilhado conosco. Acredito que eles não esperavam a presença forte da mídia e decidiram não forçar a reintegração quando estávamos dispostos a resistir”, disse Graça.

Do lado de dentro

A tensão aumentou por volta das 18h, quando muitas mães chegaram ao prédio com as crianças ainda vestidas com uniformes de escolas e creches. Maria Silvaneide foi para a ocupação na segunda-feira à noite. Mãe de quatro filhos, cuida das crianças sozinha e oferece o peito à sua filha mais nova, Manoela, de apenas dois meses. Enquanto alimenta seu bebê e faz companhia para as crianças que jogam cartas e brincam próximas a ela, Maria vigia a rua preocupada com a invasão de policiais. “Essa começou a militar cedo” – se referia a sua pequena Manoela. “vai ser guerreira como a vó e a bisavó índia”, dizia, olhando para a filha. Roselândia dos Santos participou da ação da ocupação na madrugada de segunda-feira, e conta que havia sido despejada de casa e que morava na rua há quase um mês com o marido. Grávida de um mês e meio, ela reclamava de fortes dores na barriga por conta da tensão que passava com a possibilidade da desocupação.

O medo estampado no rosto das crianças ganhou expressão de alívio quando anunciaram a trégua da polícia. “Hoje temos onde dormir”, muitos celebravam. Após os momentos de temor, as crianças passaram a brincar de pega-pega no primeiro andar do prédio, um dos locais menos destruídos pela corrosão do tempo. Somente neste andar estavam dez crianças. No edifício, permanecem 300 pessoas que se revezam para que todos possam trabalhar, estudar e levar os filhos para a escola.

Apesar da prefeitura alegar que o prédio já está em obras, há sinais de abandono no edifício. Dentro do hotel não há material de construção para reforma.

Os planos do movimento

Sueli Batista, militante do UMM, afirma que o movimento seguirá ocupando edifícios abandonados caso tenha de abandonar o local por ação de uso da força policial. “Se sairmos daqui, estaremos logo em outro prédio”, garantiu. De acordo com Graça, “no centro há mais de mil edifícios, terrenos e galpões abandonados. Caso o prédio seja desocupado, o movimento e a denúncia em defesa dos movimentos populares continuará”.

Suplicy denuncia casos de agressões físicas e abuso sexual no Pinheirinho

Relatos colhidos no início do mês mostram violência cometida por membros da ROTA durante reintegração de posse

Por Sâmia Gabriela Teixeira (originalmente publicado no SPressoSP)

O senador Eduardo Suplicy apresentou, em pronunciamento, trechos de documento produzido pelo Conselho de Defesa da Pessoa Humana (Condepe), feito com base em relatos dos moradores do Pinheirinho. De acordo com as histórias colhidas, os abusos foram cometidos por policiais identificados como componentes da ROTA.

As falas foram registradas no dia 1 de fevereiro, no gabinete da 10ª Promotoria de Justiça de São José dos Campos, com a presença do senador.

Segundo uma das vítimas, no dia 22 de janeiro, por volta das 11h30, enquanto estava em casa acompanhada de outras pessoas, policiais entraram no imóvel “de modo abrupto, violento, rendendo, sob agressões, segurando-o pelo pescoço”. A vítima conta também que “renderam a sua esposa, de 26 anos, subjugando-a, agarrando-a pela trança do cabelo”. Ainda conforme o relatório, ela “por cerca de quatro horas, sofreu diversos modos de sevícia por parte dos policiais que ali ingressaram (…) abuso sexual, sexo oral, agressividade física com empurrões, agressões com coronha de arma de fogo e toda ordem de violência física, afora afirmações de conteúdo irônico e terror psicológico”.

Dentro do mesmo imóvel, um rapaz de 17 anos sofreu ameaças de empalação com um cabo de vassoura. “Durante a investida, o pai do rapaz de 17 anos ficou segregado pelos policiais em seu próprio quarto, com arma apontada para ele. ‘O senhor fique aqui nesse quarto e não…’. Enquanto ele ouvia os gritos do rapaz sendo seviciado e ameaçado com um cabo de vassoura, ficava o pai trancado no quarto ameaçado pelos policiais”.

O pedido de Suplicy para que a integridade das vítimas seja resguardada se deve também ao registro dos relatos de ameaças de policiais. “Vocês sabem qual é a fama da ROTA? A ROTA mata. E nós vamos matar vocês se vocês denunciarem esses fatos que estão aqui acontecendo e que estivemos aqui fazendo isso com vocês”, relatou, para registro, a vítima.

Após o pronunciamento de Suplicy, o senador Aloysio Nunes afirmou que as acusações serão apuradas pelo governo e pela corregedoria da Polícia Militar do Estado de São Paulo.

Festival Moinho Vivo arrecada mais de 850 quilos de alimentos

Evento contou com a presença de 46 grupos de rap e reuniu referências do hip hop

Por Mario Henrique de Oliveira e Sâmia Gabriela Teixeira (originalmente publicado no SPressoSP)

Realizado no domingo, 22, exatamente um mês após o incêndio que destruiu cerca de um terço das moradias da favela, o Festival Moinho Vivo foi considerado um sucesso pelos seus organizadores.Ainda sem dormir e contabilizando tudo que foi arrecadado, Bob Controversista do Movimento hip hop Revolucionário, o MH2R, que organizou o evento, comemorou o sucesso na noite de ontem.

“Já contamos até agora cerca de 850 quilos de alimentos. O número arrecadado de roupas e sapatos é incrível, encheu uma sala de 25 metros quadrados até o teto. Estamos muito satisfeitos com os resultados e toda colaboração que tivemos”, disse ele.

O festival, que teve início às 10 horas da manhã e se estendeu até a meia-noite, contou com a presença de 46 grupos de rap e todos os outros elementos da cultura hip hop, como o grafite e o break. Entre os diversos cantores, catadores de material reciclável, moradores da favela e doPinheirinho, e o senador Eduardo Suplicy também subiram ao palco para discursar. O nome do prefeito Gilberto Kassab foi lembrado várias vezes pelo público, sempre de forma pouco amistosa.

De acordo com Bob, o Moinho recebeu cerca de 3.300 pessoas durante o dia. A rotatividade não deixava o espaço com menos de 1.800 pessoas. Durante o festival, também houve o lançamento simbólico da Associação Cultura e Reciclagem. “Chamamos a atenção. Os moradores já ganharam há alguns anos o direito de ficar aqui pelo usucapião que a Justiça já concedeu, não podem sair daqui. Agora, pedimos ajuda para organizar um clipping com tudo o que saiu na mídia para enviar à prefeitura. Estamos em conversas também com o pessoal do Pinheirinho,em São Josédos Campos, para ajudá-los de alguma forma. A luta é a mesma, só muda o terreno”, finaliza.

As referências do hip hop

Ontem, no campinho de terra batida da favela do moinho, o vai e vem dos trens ficou apagado perto da multidão que atravessava a linha para acompanhar os shows do evento. Dentre os diversos artistas do movimento hip hop, subiram no palco Rappin Hood, Inquérito, Dexter, SNJ e Mano Brown. No campinho, também estiveram os nomes de peso que fortalecem e trazem para o centro das atenções a produção rica e a potência da voz dos que vivem nas bordas da cidade: o poeta Sérgio Vaz, o Movimento Mães de Maio, o artista multimídia Toni C, o rapper Cocão, do Versão Popular, a jornalista Jéssica Balbino, referência na divulgação da cultura periférica, e o militante cultural Miltão.

O poeta Sérgio Vaz, fundador e idealizador da Cooperifa, enfatizou a importância do evento para a comunidade. “Esse acontecimento é importante para as pessoas daqui. Com a grande mídia presente ou sem ela, ele acontece, e não por vaidade, os artistas estão aqui pela causa. O importante é estar aqui”, disse Vaz.

Para fortalecer ainda mais a cena a arrecadação de verba para os moradores, Toni C, que prefere chamar a produção da literatura periférica de “literarua”, disponibilizou seu livro “O hip hop está morto” para venda, com valor arrecadado destinado aos desalojados do incêndio da favela. Para Toni C, o evento de rap tem a sua razão de existir pelo fato das características do hip hop estarem diretamente relacionadas com a comunidade. “O rap só existe pela contestação e o evento é importante para chamar a atenção para a opinião pública mas não só por isso. A venda revertida para a comunidade e um evento que mostra essas pessoas invisíveis que só aparecem na mídia de maneira negativa também é importante. Estamos aqui com grandes produtores de cultura e é importante que sejamos notados de maneira positiva”.

Cocão, rapper do grupo Versão Popular, contou que se prontificou a fazer parte do evento mesmo sem se apresentar no palco. “Eu vim como cidadão, fazendo jus ao que já passei. Isso porque já morei em barraco, sei o quanto é difícil, e acho que antes mesmo de nos colocarmos como artistas, estamos aqui como cidadão solidários aos moradores do Moinho. É uma obrigação, pois convivemos com essa realidade, e o movimento é necessário sempre, não somente quando a quebrada pega fogo. O mais importante é dar continuidade a essas atitudes”, comentou.

O Movimento Mães de Maio marcou presença prestando solidariedade aos moradores. Débora Maria da Silva, uma das mães que está na linha de frente do movimento, alertou sobre a desapropriação no Pinheirinho e a violência policial. “Parece que é tudo articulado. Um evento chama a atenção aqui e eles agem ali. E sem a discussão do que é justo, é fato que não é assim que se realiza uma reintegração de posse”, disse Débora.

A situação dos moradores do Pinheirinho, além de ser anunciada em diversos momentos do show, foi discutida entre os artistas convidados para o evento. Renan Inquérito, do Grupo Inquérito, comentou sobre a especulação mobiliária e como isso afeta os mais pobres. “O que temos aqui no Moinho e em outros tantos lugares é uma luta de classes. Aqui, nós sabemos que a favela é um entrave no cartão postal de São Paulo, e que satisfaz a máquina imobiliária. O pobre morando no centro incomoda. Falam em revitalização, mas não revitalizam os pobres. Estamos aqui solidários e com o objetivo de ser o canal de expressão dessas pessoas, dar uma voz maior para cada um”, concluiu.

Bixiga, o velho reduto do samba 

O bairro, berço da Vai-Vai, carrega na história a alegria da música e do carnaval

Por Sâmia Gabriela Teixeira (originalmente publicado no SPressoSP)

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Palestino em greve de fome há 156 dias entrega carta de agradecimento

Samer Issawi pretende manter a greve de fome até que obtenha sua liberdade

Por Sâmia Gabriela Teixeira Originalmente publicado na União Nacional Islâmica)

Em condições físicas e psicológicas cada vez mais fragilizadas, o preso palestino Samer al-Issawi, que iniciou sua greve de fome em 1º de agosto de 2012, assim disse em carta entregue ao seu advogado:

“Eu sofro de fortes dores de cabeça, dor de coluna, dor no peito, nos músculos e juntas, queimação no estômago, vômitos constantes de líquidos de cor amarelada e esverdeada, dor nos rins e não consigo andar sustentado pelo meu pé direito.

Os doutores me dizem que eu estou num período crítico da greve de fome e a cada dia que passa os riscos de eu ter uma paralisia, um derrame cerebral ou morte súbita aumentam. Mas eu já confirmei que continuarei com minha greve de fome até conquistar minha liberdade.

Eu consegui alcançar 90% dos meus objetivos durante minha greve de fome, que foi fazer com que minha voz chegasse ao Egito. O segundo objetivo foi manter os avanços do acordo que impedia a detenção dos presos já liberados. Eu mantive o prestígio do Egito como mediador no acordo em defesa do povo e dos mártires em Gaza (durante os ataques aéreos israelenses ocorridos em novembro de 2012). Então, só me resta 10% dos objetivos a serem alcançados, que é algo bem menor do que os demais: Minha liberdade.

Durante todo esse longo período, a Ocupação tentou amedrontar, por meio de médicos, dizendo que eu estava perto da morte, mas eu continuo e prosseguirei firme com minha greve de fome até a liberdade. Minha vitória não é somente para aqueles que me apoiaram com cartas, mensagens, demonstrações públicas, chamados e orações. Eu quero agradecer meus irmãos que estão em greve de fome em frente ao prédio da Cruz Vermelha em Jerusalém. Vocês ensinam dessa maneira que somos todos uma só nação. Sou grato pelo Comitê de Prisioneiros de Jerusalém e Clube de Prisioneiros. Eu quero agradecer os filhos de minha aldeia Issawiye, que estão firmes e provam que Jerusalém é uma cidade árabe e permanecerá árabe.”

Vídeo flagra violência contra Issawi e sua família

Durante audiência realizada na corte israelense em dezembro (18), o prisioneiro Samer al-Issawi e membros de sua família foram agredidos por soldados israelenses da brigada de Nachshon. Segundo a União Jurídica para a Sociedade de Prisioneiros Palestinos, e conforme o que o vídeo veiculado na internet mostra, a agressão teve início após Samer tentar alcançar a mão de sua mãe, Ra’fat, que entrava na sala da corte para a audiência. Desde sua prisão, em julho de 2012, a família não tinha permissão de visitá-lo, obtendo informações sobre seu estado de saúde apenas por meio do contato dele com seu advogado. Ra’fat diz que apesar de não sentir fome desde a prisão de seu filho, a família considera como uma traição comer enquanto Issawi mantém seu protesto de estômago vazio. “Se meu filho está preso sem comer nada, como posso eu me alimentar?”, questiona.

Veja o vídeo no link da UNI.

A irmã de Issawi, Shireen, também foi agredida na ocasião e presa pelas Forças Israelenses no dia seguinte. De acordo com a Associação Adammeer de Direitos Humanos aos Prisioneiros Palestinos, os familiares foram proibidos de acessar o tribunal após a tentativa de cumprimentar Issawi. Shireen foi liberada e segue fazendo campanha para atrair a atenção de ativistas e da imprensa internacional, com o objetivo de pressionar as autoridades israelenses a libertar seu irmão detido ilegalmente pela ocupação.

Israel pressiona a família Issawi

A família de Samer Issawi diz que o governo israelense tem pressionado os familiares do prisioneiro a convencê-lo de acabar com a greve de fome. A Gihon, empresa municipal de água, cortou o abastecimento de água da casa de Samer e ainda cobra contas que segundo a empresa estão com o pagamento atrasado. O irmão do prisioneiro, Tareq al-Issawi, teve sua casa demolida sob a acusação de tê-la construído sem a devida licença.

Perseguição a muçulmanos

O massacre do povo Rohyngia da Birmânia deixou um rastro de sangue e poucas notícias na imprensa

Por Sâmia Gabriela Teixeira (originalmente publicado na 3ª edição do Jornal IQRA)

Desde de maio, um massacre na Birmânia tem deixado um número expressivo de muçulmanos Rohingyas mortos e centenas de desaparecidos. Os números de baixas civis são bem controversos. Muitos falam em mais de 20 mil, outros em mil, mas a real preocupação parte de uma só vítima que o governo birmanês permita existir. Por isso, a ONG humanitária Human Rights Watch (HRW) vem afirmando que o governo tem sido omisso e cúmplice dessas mortes. Segundo a organização, o exército chega a influenciar a violência, citando que no dia 12 de junho, em Arakan, no maior bairro da cidade, foram queimadas mais de 10 mil casas de Rohingyas e de não muçulmanos também, enquanto a polícia e forças paramilitares abriam fogo, com munição letal, contra a população.
A HRW relatou também que assistiu a uma matança de muçulmanos em um vilarejo de Arakan. Segundo a ONG, um grupo invadiu um ônibus e assassinou 10 muçulmanos que estavam a bordo. A entidade humanitária ainda revelou que havia forças policiais próximas ao local, mas que nada fizeram para evitar o massacre. Em uma visita recente de um enviado da HRW, foram registradas situações de discriminação contra os muçulmanos e violações de direitos de cidadania básicos, liberdade de movimentação social e outros direitos fundamentais. A partir desse contexto, os Rohingyas juntaram-se aos grupos de muçulmanos da Palestina, Kashmir, Iraque e Afeganistão. Os muçulmanos perseguidos buscaram proteção em Bangladesh, porém muitos deles foram enviados de volta às zonas de conflito. Os que não foram devolvidos sofreram com a proibição do governo que impediu ajuda humanitária e distribuição de alimentos. Segundo informações oficiais de Bangladesh, o auxílio aos refugiados atrairia mais Rohingyas buscando asilo nas regiões costeiras do país. Segundo a agência da ONU para refugiados, há mais de 40 mil muçulmanos Rohingyas não registrados que vivem em campos em Bangladesh, e com a recente onda de violência o fluxo de refugiados deve aumentar, quer o governo goste ou não.
No início de agosto a Anistia Internacional disse que budistas Rakhine, com o apoio de forças de segurança do governo, haviam atacado com violência uma minoria muçulmana.

Muçulmanos buscam refúgio em Bangladesh (Fotos: Anurup Titu/AP)

Embora diversas organizações de direitos humanos tenham denunciado inúmeras situações de abuso por parte do governo e de grupos de etnias budistas, a líder pacifista Aung San Suu Kyi, ganhadora de um prêmio Nobel da Paz, não reconheceu o genocídio do estado contra os muçulmanos e considera que os conflitos étnicos no país devem ser investigados com cuidado e sabedoria. Alguns especialistas acreditam que a postura da pacifista segue uma linha política de preparação paras as eleições de 2015 na Birmânia. Tal situação revela uma posição controversa de muitos ativistas de discurso democrático, que por temerem perder apoio político, optam por não criticar o atual massacre contra os muçulmanos. Segundo Maung Zarni, observador da LSE Unidade da Sociedade Civil e de Pesquisa de Segurança Humana, “o racismo na Birmânia não existe apenas contra os Rohingya, mas também contra outras etnias ou qualquer estrangeiro”. Afirma ainda que o preconceito contra muçulmanos é generalizado. De acordo com Zarni, a Organização de Cooperação Islâmica (OCI) reuniu acusações o suficiente para acusar o governo birmanês por crimes contra a humanidade, e que o genocídio trata-se de uma limpeza étnica.

China ameaça deportar muçulmanos para região de conflito. Ação contraria o direito do refugiado garantido formalmente pela Convenção de Refugiados de 1951, a qual o país e signatário (Fotos: Anurup Titu/AP)

Discriminação histórica
A perseguição contra a minoria muçulmana no país de predominância budista tem origem histórica, que nos remete à década de 1940, quando a região conquistou sua independência e os muçulmanos da elite abandonaram o país, deixando o peso do racismo nas costas da população muçulmana mais pobre e, sobretudo, negra. Desde então, com a saída da colonização britânica, os muçulmanos passaram a ser tratados como cidadãos de segunda classe, proibidos de praticar a religião, reformar ou construir mesquitas, celebrar datas religiosas e até mesmo de viajar. O cientista político Kevin Barett relatou em artigo que “cada uma das mais de 500 mesquitas em Arakan tem sido dominada pelas forças de segurança do regime e todas destruídas, uma por uma”. Esse clima de perseguição, agravado pela forte pressão militar do governo no país, criou um atrito de raízes culturais entre etnias diferentes, e estendeu-se aos grupos de muçulmanos que buscaram refúgio no país. A partir de 1982, os Rohingyas foram proibidos de obter a cidadania birmanesa, sob uma lei que exclui o grupo étnico da lista de minorias oficialmente reconhecidas pelo estado. Outro agravante é o fato de o país não ser um estado contratante das convenções do Estatuto dos Apátridas de 1954 e da Redução de Apatridia de 1961, o que lhes confere o “direito” de não considerar os Rohingyas como cidadãos plenos na Birmânia, sem garantir assim proteção contra qualquer discriminação étnica em defesa da vida. O sheikh e diretor de assuntos religiosos da UNI, Mohamad al Bukai, acredita que, “independentemente de tais acordos e assinaturas em convenções, é parte fundamental de qualquer Estado que o respeito entre as diversas etnias seja praticado. Qualquer pessoa, de qualquer religião, deve se sentir segura na região em que vive, e em casos de temor e perseguição, é dever do governo que garanta a proteção e o asilo dessa população, mesmo que seu Estado seja formado por maioria de etnia diferente a dos perseguidos.

A partir de 1982, os Rohingyas foram proibidos de obter a cidadania birmanesa, sob uma lei que exclui o grupo étnico da lista de minorias oficialmente reconhecidas pelo estado (Fotos: Anurup Titu/AP)

Busca por asilo
Os muçulmanos da Birmânia têm encontrado hostilidade em diversos países. A HRW alertou sobre a difícil situação de pelo menos mil refugiados da etnia Kachin, em asilo na China, que estão sendo deportados de volta para o norte da Birmânia. Além disso, segundo a organização, o governo chinês pretende enviar mais 4 mil refugiados, que terão de enfrentar as zonas de conflitos na Birmânia sem proteção humanitária alguma por parte do regime majoritariamente budista.
Essa posição da China contraria o código da Convenção de Refugiados de 1951, a qual o país é signatário e define que o refugiado não pode sofrer um retorno forçado ao país de origem, onde a vida e a liberdade estejam em risco, seja por motivos de perseguição de “raça, credo, nacionalidade ou por opinião política ou social”.
Enquanto países, como a China, que deveriam se comprometer com os documentos da Convenção de Refugiados negam auxílio humanitário ou não se colocam à disposição para a acolhida necessária, o mundo tem se calado diante de tantas mortes reportadas apenas pelas organizações de direitos humanos.
Aqui no Brasil, poucas notícias, reproduzidas de veículos internacionais, foram publicadas a respeito desse massacre, e não deram prosseguimento aos acontecimentos. O sheikh Khaled Taky el Din, do Conselho Superior de Teólogos e Assuntos Islâmicos, declarou em nota oficial repúdio aos ataques contra os muçulmanos e pediu aos meios de comunicação pressão política sobre o governo birmanês. Segundo ele, “o genocídio organizado contra os muçulmanos é incompatível com as normas e convenções internacionais de direitos humanos”.

Forças israelenses invadem escritório da Addameer na Cisjordânia nesta madrugada

Três palestinos da organização foram levados e durante a invasão computadores, documentos e outros materiais foram confiscados pelas forças israelenses

Por Sâmia Gabriela Teixeira (originalmente publicado na União Nacional Islâmica)

As forças de defesa israelenses invadiram o escritório da  Associação Addamer de Defesa aos Presos Palestinos e aos Direitos Humanos e levaram três palestinos da organização durante a madrugada desta terça-feira (11) às 3h em Ramallah.

Os soldados também confiscaram computadores, documentos, câmeras e outros materiais, informou a organização em declaração oficial publicada no site da Addameer. “Às 3h desta manhã, 11 de Dezembro de 2012, a Addameer foi invadida pelas forças de ocupação israelenses (IOF) (…) Quatro computadores portáteis, um disco rígido, uma câmera de vídeo entre outros materiais foram levados. A forças israelenses destruiram o escritório”, o grupo acrescentou dizendo que mesas e “armários foram saqueados” e tudo foi deixado espalhado após o ataque.

O escritório da Addameer em Ramallah não era alvo de ataque desde 2002, quando foram atacados durante o levante da Segunda Intifada.

Além do escritório da organização de defesa aos presos palestinos, as forças israelenses invadiram também a União dos Comitês de Mulheres Palestinas, que tem como uma de suas coordenadoras a ativista palestina Abla Saadat, companheira do preso político Ahmad Saadat, e o Comitê de Trabalhadores da Agricultura.

Allam Jarrar, da NGO Palestina, rede de organizações não governamentais palestina, considera o evento “uma clara mensagem de Israel aos palestinos, deixando claro que quando a ONU e os palestinos tomam decisões ou se organizam em busca de liberdade, a ocupação utiliza de agressão e violência para os deter”.

Apesar de a cidade de Ramallah estar sob administração palestina, as forças de defesa israelenses regularmente executam incursões noturnas, detenções ilegais e invasões e casas e escritórios.

A Associação Addameer de Defesa aos Presos Palestinos e aos Direitos Humanos tem forte atuação entre as organizações não governamentais na Palestina ocupada, denunciando casos de tortura, reivindicando direitos dos presos palestinos, publicando os números das detenções ilegais executadas pelas forças israelenses além de outras ações fundamentais para garantir visibilidade dos problemas da ocupação e cobrar pelos direitos mais elementares dos presos políticos palestinos detidos em cárceres israelenses.

Leia abaixo a carta oficial da organização publicada hoje no site da Addammer:

BREAKING: Addameer Offices Raided by Israeli Occupying Forces This Morning

At 3 am this morning, 11 December 2012, the Addameer Prisoner Support and Human Rights office was raided by the Israeli Occupation Forces (IOF). Four laptops, one hard disk and a video camera were taken among other materials. The IOF destroyed the office; desks, ransacked filing cabinets and files and scattered files around the office. At this moment, we are not clear as to what has been confiscated, but in the coming days we will know more about the level of destruction and damage. This is the first raid by the IOF since 2002, when the Addameer office was raided during the invasion of Ramallah.

The offices of the Union of Palestinian Women’s Committee and the Palestinian NGO Network were also raided and ransacked last night. Addameer condemns this attack on human rights and civil society organizations, and sees it as an attempt to cripple solidarity with the prisoners movement.

We will provide more information in the coming hours as the situation develops. Follow our Twitter account at @addameer_ps and our Facebook page for the latest news.

Fotos do escritório da Addameer em Ramallah após a invasão. (Crédito: Maans Agency News)

Faixa de Gaza sofre escalada de violência israelense e líder de movimento aliado ao Hamas é morto

Somente no mês de novembro foram contabilizados 35 feridos e 8 mortos; o cessar-fogo foi quebrado por Israel hoje, e um líder do Qassan Brigades morreu após ataque aéreo ter atingido seu carro

Por Sâmia Gabriela Teixeira (originalmente publicado na União Nacional Islâmica)

Nessa última semana a escalada de violência ganhou intensidade em um mês com diversos ataques israelenses a Gaza, que deixaram dezenas de feridos e pelo menos 8 mortos até o momento, um deles, um garoto de 11 anos atingido por disparos aéreos enquanto brincava com amigos na rua.

Hoje um dos chefes militares do Qassan Brigades, braço do movimento Hamas, Ahmad Jabari morreu durante ataque aéreo israelense. Segundo as Forças Armadas de Israel (IDF, em inglês), o líder foi interceptado e morto “por ser considerado o responsável direto pelos ataques ao estado de Israel nos últimos anos”.

O ativista palestino Hani Siliman relatou o uso constante, nas últimas noites, dos chamados “drones”, aviões espiões não-tripulados, e explosões que pareciam acontecer muito próximo de sua casa. “Podia ouvir os drones voando muito baixo pelas ruas, e diversos disparos aéreos”, informou, complementando que após a morte de Jabari “a população de Gaza está ainda mais apreensiva”.

A ofensiva israelense desde segunda-feira vem atacando supostos locais de armazenamento de armas e zonas de disparos de foguetes. De acordo com a IDF, os ataques foram motivados devido ao lançamento de dois foguetes contra o sul de Israel, que não deixou nenhum ferido.

O parlamentar israelense Shaul Mofaz, em entrevista à Rádio do Exército de Israel, declarou ser favorável ao assassinato extrajudicial de líderes do Hamas para o controle dos ataques ao sul de Israel. Segundo ele, essa .é uma política que levou o Hamas a compreender, durante a época dos atentados com homens-bombas, que eles pagariam um preço pela continuidade dos ataques”.

Na segunda-feira (12), o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu convocou reunião com diversos embaixadores, o que evidencia uma preocupação com as possíveis críticas internacionais a respeito das violações das Leis Internacionais por parte do estado de Israel. O momento relembra a avaliação da comunidade internacional, quando considerou que houve o uso de força desproporcional contra os palestinos de Gaza durante ataques israelenses em 2008.

Na foto, funeral de Hamid Abu Dagkah, palestino de apenas 11 anos morto por ataque aéreo israelense (Foto: Activestills.org)
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E mais no site da União Nacional Islâmica.

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